sábado, 17 de setembro de 2011

Limpa Brasil impõe desafios para gestão de resíduos sólidos em Campinas e região

Rio Atibaia, pouco antes de Campinas: gestão de resíduos sólidos tem impacto direto na qualidade e quantidade da água fundamental para a vida




Por José Pedro S.Martins





No próximo dia 25 de setembro, Campinas será destaque na mídia nacional e internacional por um fato extremamente positivo: a cidade será a sede da vez do Limpa Brasil, ação de cidadania visando incentivar a reflexão para a mudança de atitude do cidadão brasileiro em relação ao hábito de jogar lixo fora do lixo. Para Campinas e região metropolitana, o grande evento pode ser o empurrão que faltava para a formulação de uma consistente e intersetorial política pública destinada a equacionar um dos grandes desafios sociais e ambientais atuais e para o futuro, a gestão dos resíduos sólidos, o lixo que continua degrando o cenário urbano, afetando a qualidade de vida e impactando inclusive os rios que guardam as águas essenciais para o desenvolvimento que se espera sustentável e saudável. Um grande incentivo à reciclagem, ao reuso e à reutilização de resíduos é um dos principais saldos esperados para a ação do Limpa Brasil em Campinas, que já está mobilizando várias organizações sociais, empresariais e órgãos públicos.


O movimento Let´s do it! nasceu por iniciativa do ambientalista Rainer Nõlvak, com ação inicial na Estônia, em 2008, envolvendo 50 mil voluntários que retiraram 10 mil toneladas de lixo das praças, ruas e florestas em um período de apenas 5 horas. No Brasil, o projeto organizado pela Atitude Brasil, empresa de comunicação social, cultural e ambiental em parceria com a UNESCO, será promovido a cada dois anos, nos próximos dez anos.


A primeira ação em território brasileiro aconteceu no Rio de Janeiro a 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, reunindo 6,5 mil voluntários, que promoveram a coleta das ruas da capital fluminense 17 toneladas de lixo reciclável. Depois de Campinas o movimento terá ações em Belo Horizonte, São Paulo e outras grandes cidades.


Em Campinas - No dia 25 de setembro, domingo, Campinas será o palco do Limpa Brasil. Serão pelo menos 25 pontos de entrega de lixo identificados pelo Departamento de Limpeza Urbana (DLU). Entre eles, Parque Ecológico, Praça Beira Rio, Praça do Coco, Bosque dos Jequitibás, nas Cooperativas Produção Coleta e Manuseio, Bom Sucesso e Havilá.


A ação começa às 9 horas, no Largo do Rosário, às 9h. Cada saco de lixo entregue no Ponto de Entrega poderá ser trocado por um ingresso para um show com O Baile do Simonal (Wilson Simoninha e Max de Castro), a Banda Fator 4, e convidados, que acontecerá às 17h, após a ação, na Concha Acústica do Parque Taquaral. Será um show diferenciado em todos sentidos, sempre com foco na proposta de destino correto de resíduos sólidos.


O voluntário poderá retirar na semana anterior à ação, em uma agência do Banco do Brasil, um kit com luvas e sacos confeccionados com matéria-prima renovável, produzidos e cedidos pelas empresas Braskem e Embalixo. O cadastramento pode ser feito no site http://www.facebook.com/l/FAQDWUtSsAQAPPI-yxThOyqLTAk4Hv2CTavOb96AFRbfiSw/www.limpabrasil.com, onde pode ser feita inscrição. Outras orientações serão encaminhadas por e-mail.


Em Campinas o Limpa Brasil Let´s do it! tem o patrocínio da CPFL, co-patrocínio do Parque Dom Pedro Shopping e apoio da CBN, Ciesp, DLU, Emdec, ITV Mídia Digital, Prefeitura Municipal de Campinas, Sesc, Revista Força, Fitel, Sanasa e SETEC.


Um dos grandes desafios sócio-ambientais - A destinação adequada e sustentável de resíduos sólidos é um dos grandes desafios sócio-ambientais do início do século 21 nas grandes cidades e na Região Metropolitana de Campinas (RMC) não poderia ser diferente. Em Campinas são produzidas diariamente mais de 1 mil toneladas de lixo doméstico, sem contar os resíduos de construção civil e outras fontes. Na RMC são mais de 3 mil toneladas/dia.


Não há mais área disponível para aterros sanitários na região. Cerca da metade dos 19 municípios da RMC já destina seus resíduos para aterro particular em Paulínia. Foi constituído recentemente um consórcio intermunicipal, envolvendo municípios das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), para uma destinação coletiva de resíduos.


Entretanto, os desafios são muito grandes. Menos de 3% dos resíduos sólidos da RMC são destinados à reciclagem. É muito importante, então, que a ação do Limpa Brasil em Campinas contribua para acelerar a instalação de infraestrutura nos 19 municípios visando incrementar muito a coleta seletiva e reciclagem. As cooperativas de reciclagem também devem ser incentivadas e estimuladas, repercutindo na geração de empregos e renda.


Cooperativas de reciclagem de Campinas acabaram de ser visitadas por Tião Santos. Ele é o presidente da Associação de Catadores do Jardim Gramacho, no Rio de Janeito, tendo participado do documentário indicado ao Oscar, Lixo Extraordinário, idealizado pelo artista plástico Vik Muniz. Tião Santos é um dos representantes do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis no Brasil.


Uma nova postura cultural - O trabalho de Vik Muniz com os coletores de resíduos do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ), onde está um dos maiores aterros sanitários do planeta, é um dos ícones da grande mudança postura cultural em curso na sociedade contemporânea, relacionada ao lixo. O verdadeiro preconceito com relação ao lixo está mudando, no sentido de considerar os resíduos sólidos como material nobre, que pode ser reciclado e reaproveitado, com repercussão na economia de água, energia e outros recursos naturais importantíssimos. Sem falar que o lixo jogado fora do lixo ajuda a poluir rios e provocar enchentes.


O lixo que vira arte é uma tendência cada vez mais sólida, com influência em várias linguagens artísticas. Um novo olhar sobre os recursos naturais, sobre a vida, apontando para uma séria reflexão sobre a necessidade de fim do desperdício e do consumo exagerado, que tem levado o planeta e um beco sem saída. O planeta, claro, considerando as sociedades humanas, porque até as formigas, na grande comunidade que é o formigueiro, praticam a "coleta seletiva" e "reuso" de resíduos. Essa ação "ecológica" das formigas pode ser vista, por exemplo, em um "formigueiro" estruturado no borboletário do Hotel Sesc Pantanal, em Mato Grosso.


A importância dos catadores, coletores e recicladores como um dos pilares de uma nova cultura, de uma nova sociedade, de uma nova civilização, foi "antecipada" por importantes pensadores. Afinal, o que esses personagens nobres fazem é construir uma nova civilização a partir das ruínas de uma civilização que está em plena decadência.


É mais ou menos o que Euclides da Cunha detectou na sua fabulosa aventura que resultou em "Os Sertões", uma das obras-primas da literatura brasileira e universal. A visão de Euclides sobre a Guerra de Canudos e os liderados de Antonio Conselheiro foi comentada entre outros por Edgar Salvadori de Decca, pesquisador da Unicamp, um dos participantes do Colóquio Internacional Memória e Res (Sentimento): indagações sobre uma questão sensível.


Em "Literatura em ruínas ou as ruínas na literatura?", sobre a gênese de "Os Sertões" (que teve seus originais revisados em Campinas, no Centro de Ciências, Letras e Artes), de Decca comenta: "Há uma outra vida que se desenha por entre as ruínas e, manifestando-se, acaba por revelar os traços da brasilidade, em figuras como a do sertanejo, do caipira e do caucheiro". Sobre ou a partir das ruínas de uma civilização passada, certos personagens constroem uma nova sociedade.


Vik Muniz enxergou esse renascimento no Gramacho, um local, como outros, que constroi uma nova sociedade a partir dos resíduos. Em Santa Rita, um dos municípios com maiores desafios sociais na Paraíba e com um histórico recente de violência, uma das ações sociais mais relevantes no momento é a de uma cooperativa de recicladores. No Jardim Satélite Íris, em Campinas, onde durante anos funcionou o lixão da cidade, está em curso um dos mais importantes movimentos em rede de solidariedade e educação integral.


A ação de 25 de setembro pode ser um marco importantíssimo para a cidadania em Campinas em região. Um sopro de vida e de esperança, em momento histórico crítico para a grande cidade. A nova Lei Nacional de Resíduos Sólidos dá importantes ferramentas para uma mudança do cenário nacional na área. Mas são ações de cidadania ativa, coletivas, que mudarão os parâmetros do poder público para a área de resíduos e outras. Uma nova (eco)civilização em construção.

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