John Ross, em encontro em Lima, Peru, de Noticias Aliadas: o poeta e as flores
(Foto José Pedro Martins)
Que tristeza, para não dizer outra coisa. Acabo de saber da morte de John Ross, na última terça-feira, 18 de janeiro, aos 72 anos, em Santiago Tzipijo, Michoacán, no México. O velório foi às margens do Lago Pátzcuaro, onde este norteamericano de Nova York viveu nas últimas décadas, como um claro gesto do que ele era: um poeta no mais puro estilo "beatnik", um pacifista, um revolucionário, um ser humano como poucos neste planeta.
O conheci em um encontro de jornalistas em Lima, Peru, há alguns anos, e nesses poucos dias já deu para gostar muito do cara. A sua barba branca, a sua magreza, o seu jeito gentil e profundo, o perfil completo de um poeta na mais pura essência da palavra. Muitos já escreveram que o jazz, que ele aprendeu a amar desde cedo, no boêmio Greenwich Village onde cresceu, foi fundamental para determinar o ritmo de sua literatura, de sua poesia e de sua longa militância no jornalismo de esquerda. Sim, também contato precoce com o comunismo, que tinha influência, com certeza, por aqueles lados.
E como tantos outros poetas/escritores de sua geração beat, como Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs, ele foi passar uma temporada no México, lá na virada dos anos 50/60. Mas à diferença dos demais, voltou, para ficar anos e anos vivendo intensamente todos os dramas do México, para ele um exemplo de cultura popular, de luta pela dignidade, de uma civilização que sempre lutou (ou ao menos grande parte dela) para resistir ao american way of life.
Que ele detestava, deve ser dito. Pacifista nato, irredutível, após voltar aos EUA em 1964 ficou preso por um bom tempo em uma penitenciária em Los Angeles, ao se recusar o alistamento para a Guerra do Vietnã. Lutar contra as guerras, todas as guerras, foi uma de suas missões, que assumiu quase religiosamente. Logo após a invasão do Iraque por George Bush, foi para lá, atuar, ao lado de outros pacifistas visionários, como escudo humano.
No México, esteve muito perto de todos os grandes movimentos sociais dos últimos anos. Narrou o movimento dos sem-casa, após o grande terremoto de setembro de 1985. Movimento que para ele foi um marco para o fortalecimento da sociedade civil mexicana.
Foi também um dos primeiros jornalistas a citar a movimentação zapatista em Chiapas em torno do Comandante Zero. Escreveu quatro livros sobre o zapatismo. E do México escreveu para grandes publicações dos Estados Unidos e outros países. Tinha um carinho especial por Noticias Aliadas, uma agência de notícias sobre a América Latina sediada em Lima, no Peru, e foi por essa circunstância que o conheci.
Depois das discussões jornalísticas, várias visitas ao centro da bela capital peruana ou aos bares perto da praia. E aí foi possível conhecer melhor essa figura carismática, autor de importantes ensaios mas, especialmente, poesia, em livros como "Jam" (1976"), "12 songs of love and ecocide" (1977), "Jazz Mexico" (1996) e o último, "Bomba", de 2007. São as suas palavras de denúncia e paixão, que continuarão para sempre. As cinzas de John Ross, como ele desejava, seriam espalhadas pelo México e cidades norteamericanas.
Puxa vida, de novo! Mexi e remexi em minhas coisas mas não achei o "Jazz Mexico" que ele nos deu, autografado, e nem as fotos que tiramos com ele. Só encontrei uma, mas que é bem representativa do que ele era: o poeta com flores para dar às mulheres participantes do encontro. Segue um poema bem representativo desse doce rebelde, desse amante da liberdade, dessa figura tão especial:
LA VIDA HEROICA DE PRÁXEDIS G.GUERRERO (extrato de poema sobre o ativista morto na Revolução Mexicana, em 1910, com tradução livre do espanhol)
Uma brisa entrecortada
sopra por palácios e masmorras,
estábulos e cantinas,
fábricas e barracas,
as academias do assassinato,
o sussurro da Revolução.
A morte de Práxides G.Guerrero.
Um disparo repentino
no amanhecer vermelho.
Não vê a bala cega.
O cavalo empina
e se desboca.
Ele cai da sela.
O clamor das Adelitas.