ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO PARA
METRÓPOLES SAUDÁVEIS E SUSTENTÁVEIS
(Artigo preparado para o Seminário Metrópoles Saudáveis, realizado na PUC-Campinas, em setembro de 2005. Evento teve a participação, entre outros, do secretário de Meio Ambiente de São Paulo, José Goldenberg, e da dra.Carmen Lavras, então pró-reitora de Extensão e Assuntos Comunitários da PUC-Campinas. Participei da mesa-redonda "Participação e controle social: novas perspectivas para metrópoles brasileiras", dia 22 de setembro. O texto foi depois incluído na revista editada sobre o evento.)
José Pedro Martins
“Pensei que o universo era um vasto sistema de sinais, uma conversação entre seres imensos. Meus atos, o sussurro do grilo, a piscadela da estrela, não eram senão pausas e sílabas, frases dispersas daquele diálogo. Qual seria essa palavra da qual eu era uma sílaba? Quem diz essa palavra e a quem ela é dita?” (Octavio Paz, in “Arenas movedizas”)
O sentimento expresso em palavras de Octavio Paz – e o que é a poesia senão palavras que sentem e sangram e gozam? – é o espelho da vida encarnada no Planeta Terra – e claro, no Universo que a contém. Tudo é comunicação nesse universo em que o brilho das estrelas mortas há milhares de anos nos é comunicado aqui e agora, para nós seres humanos privilegiados e, infelizmente, tão exilados desses sinais de beleza sem fim.
A aurora e o pôr-do-sol são a comunicação do ciclo vital que rege o cotidiano, a Primavera é o anúncio de que a natureza renasce e quer exibir a sua exuberância, o canto dos pássaros é a comunicação da música em estado puro, a algazarra dos macacos é a alegria se comunicando em sua forma primata, tão mais próxima de nós Homo Sapiens como a Ciência vem comprovando com os freqüentes avanços das técnicas genômicas.
Tudo é comunicação permanente e intercambiante nesse Universo maravilhoso que nos seduz diariamente com suas múltiplas formas, seus incontáveis segredos, suas infinitas surpresas. Dessa perspectiva, olhando por este prisma, é possível verificar uma íntima conexão entre a atual crise social, política e ecológica – ou ambiental, como o leitor preferir –, sobretudo nas grandes metrópoles e megalópoles, e a crise crônica, visceral, no atual sistema de comunicações de massa, da forma como os consideramos como meios de produção e disseminação de notícias.
Crise da comunicação e metrópoles -
Estamos, todo mundo sabe disso, na Era da Informação, caracterizada pelos avanços frenéticos dos meios de comunicação, dos quais a Internet é a sua melhor tradução. Se até há pouco tempo a Imprensa – considerando essencialmente o meio Jornal, que detinha o monopólio da formação da opinião pública – era considerada o quarto poder, ao lado dos tradicionais Executivo, Legislativo e Judiciário, para muitos pensadores o mix de jornais, rádios, tevês, Internet e outras mídias, na aurora do século 21, é o próprio poder. A eleição de Bloomberg como prefeito de Nova York e de Berlusconi na Itália seriam a comprovação formal dessa assertiva, sem falar no poder global alcançado por magnatas como Ted Turner.
Pois é nesse momento de comunicação dominante, de informação em tempo real e valendo ouro, que a crise social, política, ética e ecológica – uma crise sistêmica, que se reflete particularmente no cenário das áreas metropolitanas – mais dá as suas caras. Os primeiros anos do século 21 estão entre os mais quentes na história mundial – claro, pelo menos desde que se começou a medir de modo científico e sistemático as temperaturas. O Verão de 2003 durante muito tempo não será esquecido na Europa, e particularmente em países como Portugal, que assistiu a incêndios devastadores, e a França, onde mais de 10 mil pessoas, principalmente idosas, morreram com as altas temperaturas – atribuídas por muitos cientistas ao desequilíbrio climático global induzido pelas emissões de poluentes atmosféricos. O impacto do furacão Katrina em New Orleans, em meados de 2005, comprovou definitivamente que mesmo os países mais ricos e presumivelmente protegidos são vulneráveis a catástrofes naturais que tendem a se multiplicar em função desse desequilíbrio climático.
E de fato as grandes metrópoles – como no caso extremo de New Orleans, mas também, cotidianamente, no México, Tóquio, São Paulo ou Região Metropolitana de Campinas (RMC) – os sinais da crise sistêmica planetária são cada vez mais evidentes. Pois essas áreas metropolitanas vão jogar papel decisivo no século 21. Segundo projeções da ONU, cerca de 62% da população mundial vão se concentrar nas grandes cidades ou regiões metropolitanas até meados do século. A urbanização excessiva, acelerada no século 20, é um enorme contraste em comparação com toda a história anterior da humanidade. Até o início do século 19 somente 3% da população global moravam em cidades.
A urbanização acelerada trouxe imensas transformações no padrão de vida das populações. Grandes conquistas foram obtidas, como melhores índices de saúde, educação e em termos de avanços políticos. Entretanto, o crescimento desordenado das cidades, principalmente em países do Terceiro Mundo como o Brasil, gerou distorções gravíssimas, colocando em xeque os progressos sem dúvida alcançados em diversas áreas com a urbanização.
É fundamental, então, que a RMC e os demais elos da rede de grandes metrópoles mundiais encontrem seu caminho para o século 21. Algumas pistas, sugeridas por urbanistas e outros estudiosos preocupados com o futuro das grandes cidades - onde será decidido o próprio futuro do planeta - podem indicar um rumo. O mesmo pode ser dito em relação às experiências em curso e que já deram certo - elas podem ser um farol para iluminar a esperança em um futuro de cidades e metrópoles mais humanas, de justiça social e equilíbrio ambiental. Enfim, cidades e metrópoles que brilham.
O primeiro ingrediente a ser observado é a consolidação de uma Ética da Solidariedade versus o individualismo da globalização. Uma das grandes chaves para o redimensionamento das cidades, no sentido de assentamentos humanos saudáveis e sustentáveis, parece ser o resgate da ética da solidariedade. Um dos impactos negativos da globalização, marcada pela selvagem concorrência consagrada pelo neoliberalismo, foi incentivar o individualismo em seu sentido mais cruel. Não se trata do individualismo crítico, de quem propõe soluções alternativas - e às vezes claramente contestadoras - ao que pensa a média geral. O individualismo reinante nas grandes cidades é o do “salve-se quem puder” e o do “cada um por si e o Deus mercado por todos”. Existe no ar uma descrença geral com o futuro da humanidade. Quando se assiste aos telejornais noturnos, os casos escabrosos mostrados a cores - e eventualmente ao vivo - são assimilados como sinais de que realmente o ser humano não tem jeito. É a guerra declarada, e o melhor meio de viver nela é o isolamento, o entrincheiramento em guetos e na incomunicação.
Resgatar a Ética da Solidariedade parece ser, neste cenário, uma pista importante, como firme alavanca para as transformações necessárias. É recuperar a fé na ação comunitária, retomar o sentido de vizinhança que era tão bom e presente nas cidades pequenas e médias, há até bem pouco tempo atrás. Não é uma tarefa fácil, mas já existem em curso iniciativas semelhantes que apontam para o caminho do compartilhar - o partilhar com alguém. Os mutirões pela construção de casas, as cooperativas populares, os inúmeros grupos e comunidades de base, de base religiosa ou não, são gotas de luz que merecem ser estimuladas e multiplicadas.
Pois essa grande e imperativa mudança cultural, no sentido da consolidação da Ética da Solidariedade, está diretamente ligada à questão da comunicação. Hoje existem todos os recursos técnicos em comunicação indicadores da formação de uma grande aldeia global. Mas será que esses recursos estão contribuindo efetivamente para facilitar a comunicação entre os seres humanos – no rumo de uma cultura da paz, da tolerância, da diversidade – e entre os seres humanos e as demais espécies vivas, todos comungando do mesmo habitat que é o planeta?
Como a mídia aborda a crise social ecológica contemporânea? A mídia colabora com essa crise? E como os meios de comunicação poderiam contribuir para o fim, ou ao menos para a atenuação, da crise sistêmica que ameaça se aprofundar no século 21? Estas são algumas das inquietações que justificam a necessidade de formulação de uma ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO, ou mesmo de uma ECO-ÉTICA DA COMUNICAÇÃO.
Crise, nova civilização e Ecologia da Informação -
Em minha opinião, a atual etapa da história humana – a Era da Informação, mas também a Era da Biotecnologia e da Bioinformática – é um daqueles momentos riquíssimos, cruciais, em que os valores e paradigmas tradicionais são profundamente questionados e, em sua grande parte, definitivamente sepultados para que novos valores e paradigmas nasçam e se consolidem. O novo nascendo do velho para amanhã gestar um novo novo.
São momentos como o do auge da Grécia Antiga, ou o do nascimento do Cristianismo, ou o do Renascimento e das Grandes Navegações, em que o que está em jogo são os padrões civilizatórios. Em todos esses momentos singulares da história humana estava sendo gestado um novo marco civilizatório, com seus valores e paradigmas próprios – para o bem e para o mal.
Qual a civilização que nós, agora, na porta de entrada do século 21, estamos ajudando a construir? Quais as práticas sociais e educacionais que, transmitidas de geração para geração, e sob a influência dos poderosíssimos meios de comunicação e dos avanços da Biotecnologia e outros ramos da Ciência, estão contribuindo para moldar essa nova civilização? O que a atual crise social e ecológica nos ensina, e nos permite prever, sobre a civilização que virá? E quais serão as metrópoles dessa nova civilização?
Creio que são questões fundamentais, básicas, para todo ser humano preocupado com a construção de um momento novo, realmente digno do ser humano enquanto indivíduo privilegiado da cadeia biológica – um ser que pode se comunicar com os demais seres humanos ou não humanos, e que portanto a partir daí constrói uma cultura e uma civilização. Mas também um ser dotado da única, exclusiva, capacidade de se comunicar consigo mesmo – não estaria aqui, aliás, uma das chaves para se entender a atual crise ecológica e de padrões civilizatórios, no sentido de que o ser humano não está conseguindo se comunicar consigo mesmo e, a partir disso, não consegue conversar com o outro ser humano e também com a própria natureza que o envolve e o define?
O boom de livros de auto-ajuda não seria, afinal das contas, e com todas as críticas que possam ser feitas a essa modalidade literária, um sintoma evidente de que algo está muito errado nessa comunicação endógena, interior, como uma das faces da crise generalizada da comunicação global, exógena, dos seres humanos entre si e entre esses e a natureza – esta, a crise ecológica? E o que estaria atrapalhando essa comunicação íntima do ser humano consigo mesmo e com os outros humanos e a natureza, justamente no momento da Era da Informação?
Não é possível, é claro para mim, dissociar a atual crise ecológica e comunicacional – no século de hegemonia da mídia – da própria escalada de terrorismo que tanto assusta o planeta no início do século 21. O terrorismo é o atestado de falência da política, que em sua essência é diálogo, é busca do bem comum através da conversa e do consenso – é comunicação, em suma, considerando o significado primeiro da palavra, que é colocar algo em comum. Ora, se a agenda internacional, nos primeiros anos do século que promete tanto pelos avanços da Ciência e da Comunicação Info-telemática, está em grande parte dominada pelo terrorismo, é claro que há uma crise de política entendida como comunicação, troca, fertilização mútua de idéias – e respeito, tolerância – entre o que é diferente.
Crise ecológica, crise da política, crise da comunicação. Faces de uma mesma crise, a crise de uma civilização baseada nos avanços da Ciência e da Tecnologia – e no Ter, mais do que no Ser – e que, agora, como Narciso, encara-se no espelho e teme pelo seu futuro. Como uma ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO – ou uma ECO-ÉTICA DA INFORMAÇÃO – pode ajudar a tentar entender esse emaranhado, essa teia de tantas pontas? E como ela pode contribuir como proposta nova, para uma CIVILIZAÇÃO DA PAZ E DA BELEZA, a que tantos aspiram?
Paradigmas da Ecologia da Informação -
A ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO deve necessariamente estar em sintonia com os novos paradigmas propostos pela Teoria de Gaia, de James Lovelock e Lynn Margulis, ou pela contribuição de autores como Fritjof Capra. Para esses autores, entre outros, a Terra é um organismo vivo, cuja sobrevivência depende da interação, da cooperação – e não da competição, do conflito – entre os seres que a formam e a habitam.
Essa vocação para a cooperação – para a comunicação – está definitivamente sedimentada no início do século 21, o século que deve ser o da Sociedade em Rede, como indicado por autores como Manuel Castells. Os avanços na Informática apontam para a formação irreversível de redes, em todas as dimensões das sociedades humanas. A Bioinformática, ciência novíssima que une os avanços nas duas áreas, pode ser o corolário dessa irreversibilidade.
Como fruto desses novos paradigmas – típicos da aurora de uma nova civilização – é possível então propor uma ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO, que contribua para um novo padrão civilizatório, que considera a Ética da Solidariedade, que ajude na edificação de Metrópoles Saudáveis e Sustentáveis. Alguns pontos centrais – com termos emprestados da nova forma de ver a vida e seus fluxos ininterruptos – da ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO, espelho de uma ECO-ÉTICA DA COMUNICAÇÃO:
· Informação Ecossistêmica – A multiplicação de novas tecnologias da Informação, e em particular a informação divulgada pela Internet, aprofundou a tendência da mídia em fragmentar, em segmentar as informações. Com isso perde-se a noção do contexto – do “ecossistema” político, econômico, ideológico, cultural, físico, biológico etc - em que o fato noticiado transcorreu. Nesse sentido, uma Informação Ecossistêmica é aquela em que o jornalista, ou o comunicador de forma geral, divulga a informação considerando todos os aspectos, todas as faces da questão. Por exemplo, quando se fala das enchentes nas grandes metrópoles, não se trata apenas do volume de chuvas em determinada época do ano. Mas se trata também de considerar a política habitacional, o plano diretor e a lei de zoneamento, o sistema de destinação de resíduos, além da participação cidadã nessas questões. E por aí vai.
· Informação Biocêntrica – A mídia apresenta historicamente a tendência de estimular uma cultura tanatológica, um culto à morte e suas ramificações. A violência é às vezes exacerbada. O que importa, eventualmente, é o sensacionalismo. Fala-se do desmatamento quando ocorre grandes queimadas. Fala-se da poluição dos mares quando ocorrem grandes derramamentos de óleo. Mas todos esses episódios são apenas a ponta do iceberg, são conseqüência de uma gigantesca crise (eco)sistêmica. Por que então eles ocorrem? O que é possível fazer para evitar? E ajudando a sedimentar a cultura tanatológica, cria-se a desesperança, irradia-se o medo. A Informação Biocêntrica é aquela que coloca a vida no centro de tudo. É mostrar as alternativas existentes, é divulgar as ações positivas coletivas que já estão sendo feitas ao longo do planeta. É dar esperança. É mostrar que tanta gente, nas às vezes tristes áreas metropolitanas, estão colhendo lírios no asfalto. Estão ajudando em mutirões de cidadania. Estão construindo redes locais de solidariedade.
· Informação Biodiversa – Outra tendência histórica da mídia, consolidada com os avanços tecnológicos, é a de mostrar apenas um lado da questão, é enfatizar a versão de um dos lados, e não considerar a versão “do outro lado”. Do mesmo modo, existe uma tendência a favorecer uma cultura dominante, ou um ponto de vista ideológico único, ou uma única doutrina econômica. A Informação Biodiversa, por outro lado, dá o mesmo peso a todos os envolvidos em um fato. E também busca valorizar a (bio)diversidade biológica e humana, em suas dimensões cultural, política, ideológica etc. Um sinal cristalino da emergência de uma Informação Biodiversa, como contribuinte para um novo padrão civilizatório, é o destaque cada vez maior para as questões da inclusão plena dos portadores de deficiência e necessidades especiais. Uma Metrópole Saudável e Sustentável necessariamente será uma Metrópole sem barreiras arquitetônicas ou de outra natureza. A Informação Biodiversa contribui muito nesse sentido.
· Os 4 Rs da Informação – Como na área do tratamento integrado dos resíduos, a ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO pressupõe igualmente os seus 4 Rs:
1. Redução – O ser humano virou um consumidor de notícias nato, com as novas tecnologias de informação. Come e bebe informação desde que acorda até dormir. Será que é fundamental tanta informação? Não existe muita informação inútil, descartável, nesse meio? Será que não é melhor tratar melhor a informação, buscar o seu contexto, mostrar suas conexões ecossistêmicas do que divulgar um monte de informação desconexa, sem sentido? Como já se indagava Caetano Veloso há tantos anos, quem lê tanta notícia?
2. Releitura - O que é aparente nem sempre é real. E o que é sólido desmancha no ar, como já ensinou Marshall Bermann e tem sido tão duramente aprendido por países e sistemas e regimes e ideologias políticas mundo afora. O século 21, para ser um século de uma nova civilização – uma Ecovilização – terá de ser o século da releitura do que se pensava hegemônico, dos mitos, das idéias pré-fabricadas e cristalizadas. A gênese do novo passa pela releitura do antigo e do atual. A ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO torna imprescindível a releitura de tudo o que é dito e publicado, o que aponta para a necessidade premente de melhorar a qualidade da educação, sobretudo em um país com os desafios do Brasil. Um dos aspectos associados é o da releitura de um modelo de vida consumista e materialista ao extremo, que a mídia tanto ajuda eventualmente a difundir. Mais uma vez é tão necessária uma educação de qualidade, que possibilite o discernimento e a consolidação de um consumo responsável.
3. Reflexão – Os tempos atuais são de pressa total, de atitudes impensadas, de frenesi, mais do que nunca do “tempo é dinheiro”. Calma, pessoal. Precisamos recuperar o “direito à preguiça” (Paul Lafargue) no sentido do saudável hábito de ter tempo para pensar, e para contemplar a beleza de um pôr-do-sol no Pico das Cabras, a poucas horas da correria de Campinas... A filosofia, o gosto pelo pensamento, pelo debate, tem sido relegado a segundo plano há tanto tempo por uma sociedade automatizada e com reações maquinais. A ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO prega a pausa para a reflexão, para o pensar antes de agir, para a análise total dos impactos sociais, ambientais e econômicos das múltiplas atividades humanas – o Princípio da Precaução. Nessa linha a reflexão é essencial para a sustentabilidade das metrópoles no século 21.
4. Revelação – Com um olhar ecossistêmico das coisas, com a vida como prioridade absoluta, com a valorização da biodiversidade em todas as suas extensões, com as modernas ferramentas de comunicação a serviço de tudo isso e também da Ética da Solidariedade, é possível revelar o novo, a alternativa energética (solar, eólica, biodiesel etc), a nova forma de geração de empregos (cooperativas, microcrédito etc), a nova forma de democracia (Conselhos Municipais fortes, referendos etc), a alternativa de transportes (transporte de massa, ciclovias etc) – enfim, tudo que é básico para a construção de Metrópoles Saudáveis e Sustentáveis, como a que nós, moradores aqui, queremos para a Região Metropolitana de Campinas (RMC).
· Estudo de Impacto da Informação – Com todos os ingredientes da ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO em implementação, é possível a configuração de um Estudo de Impacto da Informação. O ideal é que a cidadania ativa e metropolitana do século 21 esteja habilitada a promover este Estudo de Impacto da Informação, com educação de qualidade, com uma cultura da paz. Mas é um Estudo imperativo, uma posição essencial para se entender o que se passa e para onde o planeta vai.
Ecologia da Informação e RMC -
A Região Metropolitana de Campinas (RMC), com 19 Municípios, nasceu oficialmente com a Lei Complementar 870, de 19 de junho de 2000. A partir daquela Lei e dessa data, criou-se nova realidade política, econômica e social na região. Fruto da mobilização de anos, a RMC tornou-se uma das esperanças para que sejam resolvidos os múltiplos desafios que vêm atormentando a vida dos mais de 2,6 milhões de moradores da região.
Desafios não faltam, com efeito, a começar pela dinâmica demográfica. Apenas entre 2000 e meados de 2005 a população na RMC saltou de 2.332.988 para 2.633.938 moradores, de acordo com projeções de IBGE/Fundação Seade. Em somente cinco anos a região recebeu uma nova “cidade” de 300 mil moradores! Hortolândia, município com maiores desafios sociais e ambientais da RMC (tem 0% de mata nativa, segundo o Atlas do SOS Mata Atlântica/INPE), cresceu nos primeiros anos do século 21 a uma taxa de 5,07% ao ano, mais do que três vezes a média paulista, de 1,7% ao ano!
Ou seja, a perspectiva é de agravamento dos atuais desafios existentes na RMC, se não forem tomadas, e logo, medidas de planejamento com efetiva participação comunitária. Entre outros desafios a equacionar na RMC estão: destinação de resíduos adequada (atualmente são geradas 1.500 toneladas/dia de resíduos doméstico, em uma região extremamente conurbada e sem grandes áreas para novos aterros sanitários), tratamento completo de esgotos urbanos (hoje por volta de 30%), reflorestamento das matas ciliares (menos de 10% dos rios das bacias do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, onde a RMC está inserida, ainda mantêm mata ciliar preservada), diminuição ainda maior dos índices de violência (em uma região onde está o complexo penitenciário de Hortolândia, um dos maiores do Brasil), política habitacional e social para responder à demanda dos mais de 400 mil moradores de favelas ou outras modalidades de sub-habitação.
Todos esses desafios de fato tendem a aumentar, se não houver o devido planejamento, considerando que grandes projetos apontam para o crescimento econômico de uma região que já responde por grande parte do PIB paulista e com renda per capita muito superior à vida nacional. Entre outros empreendimentos estão: ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos, ampliação do pólo petroquímico de Paulínia, implantação do Corredor de Exportação Campinas-Litoral Norte, efeitos da ampliação da Rodovia dos Bandeirantes (que corta Hortolândia, Nova Odessa, Sumaré e Santa Bárbara D’Oeste) etc. São empreendimentos que, no conjunto, vão significar geração de mais renda e emprego, o que é essencial para o Brasil. Mas é preciso planejar o futuro, para evitar que os problemas atuais se agravem.
O imperativo planejamento do futuro da RMC, diante dessas evidentes tendências de crescimento, com certeza deve considerar uma nova forma de tratar a comunicação e a informação. Os paradigmas da ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO podem contribuir para isso, para uma metrópole saudável que seja sinal de uma nova civilização, uma Ecocivilização.
Sinais positivos são movimentos já em curso, apontando nesse sentido, como o Projeto Correio Escola (que estimula a leitura de jornais em salas de aula) da Rede Anhangüera de Comunicação (RAC), o Programa Terra da Gente (que enfatiza as questões da natureza e da vida rural, em uma região tão conurbada, asfaltada e cimentada) da EPTV, a Fundação Fórum Campinas (que reúne os mais importantes centros de ensino e pesquisa de Campinas, cada vez mais abertos a colaborar com a comunidade), a Fundação FEAC (que aglutina uma importante rede de mais de 100 entidades filiadas), a Fundação Educar DPaschoal (que estimula o voluntariado jovem e o protagonismo juvenil) ou o Programa Sociedade Contemporânea: Vida, Perigos e Oportunidades, da CPFL Energia, que objetiva promover reflexão qualificada sobre a sociedade contemporânea, com seus múltiplos riscos e desafios.
Todos esses ingredientes estão ajudando a criar o novo na RMC, o novo que seria uma Metrópole Saudável e Sustentável, uma Biometrópole com a vida no centro das atenções e prioridades. A Agenda 21 Local, como instrumento de formação de parcerias visando cidades e uma região sustentável, também é uma boa nova em curso, em vários municípios da RMC (com a exceção lamentável de Campinas, onde o processo está lento).
Em suma, a esperança está no ar, nas plantas, no chão e no coração das pessoas que anseiam por uma nova cidade, por uma nova metrópole. A ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO, como reflexo de uma ECO-ÉTICA DA COMUNICAÇÃO, é uma proposta para subsidiar essa utopia tão necessária em tempos cada vez mais carentes de sonhos e de ideologias em crise.
PROJETO DE FUTURO
(Artigo publicado dia 15 de maio de 2011, no Correio Popular, de Campinas)
Na semana passada, a tentativa de votação do relatório do deputado Aldo Rebelo sobre o novo Código Florestal reviveu os momentos mais tristes do Congresso Nacional. Briga, baixaria, insultos e tudo o mais. E o interesse do Brasil?
Um grande motivo levou a toda essa polêmica, que vai se arrastar nos próximos dias, sem previsão de como terminará. O motivo é que simplesmente falta um grande, plural, multidimensional, e sobretudo participativo, plano estratégico para o Brasil.
Entra governo, sai governo, permanece governo, muda governo, os dirigentes do turno sempre dizem que têm projetos para o país, para daqui cinco, dez ou vinte anos. Mas não é verdade, todas as grandes decisões tomadas visam exclusivamente o curto prazo, e atendendo a interesses particulares, deste ou daquele grupo. Nunca visando o país todo.
Claro, houve avanços importantes, como as novas leis nacionais de Saneamento e Resíduos Sólidos, sem falar no ECA, Estatuto da Cidade e outros instrumentos que apontam para um país muito melhor, includente, sustentável e feliz. Ocorre que, se existem boas leis, as políticas públicas ainda são insuficientes. E se a lei não é boa, tudo fica ainda pior.
Falta esse projeto de futuro amplo, ético, solidário, que apenas será formulado com imensa, enorme vontade política dos dirigentes dotados de espírito e perfil de estadista, e também muita disposição de “ir pra rua” da sociedade civil. Sim, aqueles dirigentes que pensam o futuro, e não apenas no horizonte de seu mandato. Tenho muitas restrições ao projeto global de JK, mas pelo menos havia uma preocupação com o futuro, com o amanhã. Daqui quatro anos a novíssima democracia política brasileira completará três décadas. Mas sem projeto de futuro, visão de futuro, que perpasse os grandes temas debatidos no Congresso Nacional e oriente as políticas públicas, a democracia (eco)social continuará no papel das boas intenções.
GOLPE CONTRA O CINEMA! "CISNE NEGRO" NÃO GANHOU!
Pois é, de novo a Academia preferiu a mesmice e não deu o Oscar de 2011 de Melhor Filme para "Cisne Negro" e nem o de Melhor Diretor para Darren Aronofsky. Menos mal que Natalie Portman ganhou o de Melhor Atriz, e nem poderia ser diferente, né?
Para mim, "não é possível” que “Cisne Negro” não tenha vencido, embora eu achasse, sim, que seria possível, pois outros concorrentes têm temática mais americana. Até “A Rede Social” poderia surpreender, em tempos em que Face e Twitter são considerados responsáveis pelas revoluções no mundo árabe - as redes ajudaram, mas não foram o fator principal.
"Não é possível” que “Cisne Negro” não ganhou como melhor filme e Aronofsky como diretor, pois poucas vezes vi uma dupla tão afinada, resultando em filme devastador. Acho que o Cisne aborda temas atuais, pois tão antigos como a humanidade. Um deles, o do preço que se pode pagar para chegar a um objetivo. O roteiro é metáfora para quase toda situação. Os poderosos não viram monstros para chegar e se manter no poder?
Vender a alma é tema multissecular. Fausto é um dos exemplos, tendo chegado ao cinema, entre outros, pelo magistral “Mephisto”. Mas será que o preço "alto demais” não estava indicado no mito de Prometeu? Ele que foi condenado a ter o fígado comido para sempre por uma águia, pela ousadia de roubar o fogo do conhecimento dos deuses para dá-lo aos homens.
Pois eu "vi" a águia na cena em que Lily (ou o diretor queria dizer Lilith?) "faz amor" com Nina. Mila Kunis está muito bem como Lily e merecia ter sido pelo menos indicada como candidata a Melhor Atriz Coadjuvante.
Nina-Portman está magnífica, em cada gesto seu está nítido o trabalho de pesquisa, de direção, de arte, que envolve o filme. O papel de Nina é uma síntese de todo esforço que atores e atrizes têm feito através dos tempos pela magia da encenação, a capacidade do artista se transformar em outro para desnudar o que nós somos.
No caso de Nina-Portman, a sua tragédia nos leva a refletir até que ponto podemos nos transformar sem perder nossa essência, geralmente o que temos de melhor. Em tempos de culto da imagem, de marketing e do photoshop, a metamorfose de Nina é a denúncia do que se perde quando o natural é perdido. A perfeição não existe, mostra Nina. Muita doutrina política, religiosa ou filosófica que prometeu isso gerou monstros. Mas a arte pode espelhar o cosmo perfeito porque pleno de imperfeição. Sublime, angustiante, libertador. (JPSMartins)
Todo o amor não é mais do que um "eu" que transborda.
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INFÂNCIA
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".
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DE NOITE
Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?
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ROMANCE
E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.
LAU FERNANDES: O ESCULTOR DA POESIA
Capa de "Trem da Vida",
poesias de Lau Fernandes
Na contracapa do livro "Trem da Vida", Lau Fernandes faz a sua própria descrição, como "autor inédito na Europa e na América do Norte, ineditíssimo também na África e no Oriente, dispenso apresentações. Sou, certamente, o maior poeta vivo que minha mãe conhece". Palavras que resumem o estilo sarcástico, crítico, corrosivo, da literatura de Lau Fernandes, um artista completo, múltiplo. Era também um grande escultor, que tinha na madeira o seu principal material de trabalho. Da madeira dura, extraiu imagens religiosas muito fortes, assim como esculpiu poesia, da dureza e da beleza da vida.
Ladislau Fernandes de Oliveira Filho, o Lau, recebeu o mesmo nome do pai, que teve 20 filhos com a esposa, Maria Flosina de Castro. A maioria dos filhos nasceu em Guapé, onde a família viveu até 1950, quando se transferiu para Passos. E daí os irmãos ganharam o mundo, trilhando várias profissões. Um deles, o décimo filho, Nelson Fernandes de Oliveira, se transformou em sacerdote, com início de carreira em Itamogi.
Esculturas de Lau Fernandes:
poesias da madeira
Escultor e amante das palavras, Lau também se tornou professor, tendo lecionado durante muitos anos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guaxupé, Sul de Minas, onde faleceu há alguns anos. O primeiro livro foi "Colcha de Retalhos", de 1986, onde já indicava as linhas de seu estilo. Em "Trem da Vida", de 1995, lançado pela João Scortecci Editora, o estilo consolidado, de um poeta que ainda não ganhou o reconhecimento devido no âmbito da literatura brasileira.
Uma voz própria, com uma mordacidade e eventual pessimismo que às vezes lembra Carlos Drummond de Andrade, mas uma voz própria, reflexo de jeito próprio de ver o mundo e a vida. Poemas muito marcados por uma reflexão própria sobre a condição humana, mas também, como em todo bom poeta, com temas sobre o momento e a sociedade em que se vive. Como em "Prá Quê? II", sobre a construção de usinas nucleares em Angra dos Reis, outrora um paraíso ecológico: "Era uma vez/Angra dos Reis./ Angra I, Angra II, Angra III./ Nunca mais/ será Angra/ outra vez". Os poemas abaixo são uma pequena amostra desse grande artista:
Dedico este livro a quem quer que o leia - Esta a dedicatória do autor, no livro "Trem da Vida"
CALMA!
Não corra,
não se afobe,
não se irrite,
não seja esnobe.
Não saia no grito,
não seja aflito,
não encha o saco.
No fim,
esperando você
e esperando por mim,
só há mesmo
um buraco.
A PEÇA
Sua vida
é um drama;
tragédia ou comédia
de um único ato.
Sua chance de autor
e ator principal.
Se aplaudirem
na última cena,
o desfecho fatal,
... você foi mal.
SABER
Só os sábios sabem
que sabem pouco.
Os ignorantes
nem sabem disso.
E os mais infelizes
ou perigosos deles
acreditam saber muito,
quase tudo,
tudo.
EU E ELA
Eu e ela
escrevemos um poema.
Não precisou de mar
nem luar,
alvorada ou por-do-sol
Não houve pássaros,
nem céu azul
ou sorriso de criança.
Nem fomos pra cama.
Nos olhamos nos olhos
um dia
e, descobrindo
o que a gente sentia,
descobrimos
a pura poesia.
GUILHERME DE ALMEIDA: A FINA FLOR DA POESIATiradentes e a identidade brasileira, de Juiz de Fora para o mundo
Todo o amor não é mais do que um "eu" que transborda.
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Uma biblioteca no distrito de Sousas, em Campinas, é homenagem ao poeta aqui nascido em 24 de julho de 1890. São 120 anos de nascimento do poeta, portanto. Guilherme de Almeida foi um intelectual tipicamente marcado pela influência francesa, como aconteceu com gerações e gerações de brasileiros, desde os tempos coloniais e monárquicos. Estudou no Colégio Culto à Ciência, na cidade natal, antes de mudar para São Paulo, onde atuou em advocacia e jornalismo e fez muita, muita literatura, até chegar ao posto de "Príncipe dos poetas brasileiros", por eleição promovida pelo "Correio da Manhã", em 1959 - há cinco décadas, então.
INFÂNCIA
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".
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Entre outras de suas facetas, Guilherme de Almeida ficou conhecido como o grande responsável pela consolidação dos haicais no Brasil. No artigo "Os meus haicais", publicado a 28 de fevereiro de 1937 em "O Estado de São Paulo", e que foi uma espécie de manifesto para a divulgação desse tipo de poesia, ele deixou claras as referências francesas, mesmo tratando de uma modalidade poética de fontes orientais. Ele citou uma frase de Pierre Louys ("A poesia é uma flor do Oriente"), justamente para reafirmar as origens dessa expressão literária mágica e sublime.
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DE NOITE
Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?
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Guilherme de Almeida traduziu vários autores franceses, como Charles Baudelaire e suas "Flores das Flores do Mal", Paul Géraldy e seu "Eu e você" e Jean Paul Sartre e seu drama "Entre quatro paredes". Faleceu em São Paulo, a 11 de julho de 1969 - portanto, há quatro décadas. Uma glória para sua cidade e para o Brasil, que bebeu em muitas fontes francesas e, acima de tudo, foi um romântico docemente incurável. Um deleite para quem está apaixonado.
-------------------------------------------------------------------------------- ROMANCE
E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.
"Tiradentes esquartejado" , Pedro Américo de Figueiredo e Mello, 1893, Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora
Por José Pedro Martins
Um óleo sobre tela de grandes proporções, de 270 por 165 centímetros, causava incômodo, perturbação, aos visitantes da ala dedicada à arte do século 19 da Mostra Brasil 500 Anos, para muitos o maior evento cultural já realizado no País. A Mostra esteve vários meses no Pavilhão da Bienal no Ibirapuera, em São Paulo, no ano 2000.
A tela em questão, datada de 1893, é o retrato de uma Nação que em cinco séculos vem construindo sua identidade a partir da fragmentação e do dilaceramento. Esse era o motivo de tanta perplexidade com aquela pintura, que integra o acervo do Museu Mariano Procópio, de Juiz de Fora, um lugar em si, no Sul de Minas Gerais, cheio de significados.
O Museu Mariano Procópio foi originalmente uma “villa” construída pela família de Mariano Procópio, por ocasião da visita da família imperial a cidade, para inaugurar a Estrada União e Industria. O imperador viu o prédio pronto posteriormente, e na inauguração da Estrada ficou mesmo abrigado na residência de Procópio, que depois concluiu a construção, situada nas proximidades do encontro do ribeirão São Pedro com o rio Paraibuna.
Em 1915 o palacete, em estilo renascentista, se tornou o primeiro museu de Minas Gerais, com um acervo espetacular, de 45 mil obras. Entre elas, o quadro originalmente batizado de “Tiradentes Supliciado” e hoje conhecido como “Tiradentes Esquartejado” . Uma obra-prima, um retrato perfeito do esquartejamento da identidade brasileira.
Por José Pedro Martins
Um óleo sobre tela de grandes proporções, de 270 por 165 centímetros, causava incômodo, perturbação, aos visitantes da ala dedicada à arte do século 19 da Mostra Brasil 500 Anos, para muitos o maior evento cultural já realizado no País. A Mostra esteve vários meses no Pavilhão da Bienal no Ibirapuera, em São Paulo, no ano 2000.
A tela em questão, datada de 1893, é o retrato de uma Nação que em cinco séculos vem construindo sua identidade a partir da fragmentação e do dilaceramento. Esse era o motivo de tanta perplexidade com aquela pintura, que integra o acervo do Museu Mariano Procópio, de Juiz de Fora, um lugar em si, no Sul de Minas Gerais, cheio de significados.
O Museu Mariano Procópio foi originalmente uma “villa” construída pela família de Mariano Procópio, por ocasião da visita da família imperial a cidade, para inaugurar a Estrada União e Industria. O imperador viu o prédio pronto posteriormente, e na inauguração da Estrada ficou mesmo abrigado na residência de Procópio, que depois concluiu a construção, situada nas proximidades do encontro do ribeirão São Pedro com o rio Paraibuna.
Em 1915 o palacete, em estilo renascentista, se tornou o primeiro museu de Minas Gerais, com um acervo espetacular, de 45 mil obras. Entre elas, o quadro originalmente batizado de “Tiradentes Supliciado” e hoje conhecido como “Tiradentes Esquartejado” . Uma obra-prima, um retrato perfeito do esquartejamento da identidade brasileira.
“Tiradentes Esquartejado”, de Pedro Américo de Figueiredo e Mello, é de fato um ícone perfeito do que tem sido a história brasileira. O seu poder simbólico é impressionante. A cabeça cortada do “Mártir da Independência” preside do alto a obra-prima, e a sua localização ao lado de um crucifixo é uma clara tentativa de associação com o calvário de Cristo, projetando uma imagem inevitável em um País construído sob a influencia da Igreja Católica. As vestes rotas, jogadas sobre o tronco igualmente amputado, completam a associação com a Via Crucis. O simbolismo do instigante quadro de Pedro Américo é ainda maior, se consideramos a disposição das três partes em que o corpo de Tiradentes foi dividido na tela. No conjunto, esses três blocos formam uma figura muito parecida com o mapa do Brasil como é conhecido hoje.
No alto, a cabeça cortada corresponde aproximadamente ao que seria no mapa do Brasil a região formada pelos estados de Roraima e Amapá. O tronco, coberto com os citados panos rasgados, tem um alinhamento horizontal muito semelhante ao traçado constituído pelo restante da Amazônia e o Nordeste no mapa brasileiro.
A perna esquerda, por sua vez, projetada no quadro no sentido vertical, perpendicular ao tronco, corresponde aproximadamente ao traçado das regiões Sudeste e Sul. O pintor talvez não tenha tido essa perspectiva, e muito menos a intenção, quando concebeu o quadro, mas essa é a impressão que se tem da visão de Pedro Américo a respeito da figura triste e dolorida daquele que se tornou um dos maiores mitos nacionais.
Esquartejamento, amputação. A identidade brasileira vem sendo moldada, em cinco séculos de confluência de civilizações, a partir de fragmentos, de pedaços estilhaçados. É muito significativo a esse respeito que alguns dos nomes que se destacaram em momentos de busca de uma identidade nacional, como o próprio Tiradentes, tenham terminado a vida esquartejados, pedaços embebidos em sangue espalhados por estradas e cidades.
A lembrança de Tiradentes em todo 21 de abril ocasiona, entre outras, esta reflexão: que país estamos construindo, a partir de um mosaico de influencias, de culturas diversas, de interesses contraditórios, de visões distintas sobre a nação? Nessa diversidade e’ que parece residir à vitalidade e a identidade do Brasil, e nela mora a esperança de um país melhor para todos. Mas que seja uma diversidade forjadora de uma identidade nacional, em um país sem desigualdades sociais – este é o nosso drama histórico.
Tiradentes foi um exemplo: se a Inconfidência Mineira não foi vitoriosa ao seu tempo, os seus frutos apareceram ao longo do tempo. E permanece o desejo de um país de fato independente, que ande com suas próprias pernas. Ele tem tudo para isso. O sonho do humilde alferes, que às vezes arrancava dentes para sobreviver, não morreu. Liberdade ainda que tardia.
A vida de Pedro Américo de Figueiredo e Mello, nascido na pequena Areia, na Paraíba, em 1843, não foi menos cheia de significados. Estudou na Europa e foi considerado o pintor da Corte, pela afinidade com D.Pedro II. O mais famoso quadro, “Independência ou Morte”, encomendado pelo governo paulista, consagrou a imagem que todo brasileiro faz do momento em que d.Pedro I pronunciou o famoso “ Grito do Ipiranga” .
Após a Proclamação da Republica, Pedro Américo foi eleito deputado pela Paraíba, mas preferiu continuar pintando, embora tenha apresentado projetos importantes, como de criação de museus e universidades. Para muitos estudiosos, “ Tiradentes esquartejado” reflete o momento pessoal do artista, que se encontrava doente. Faleceu em 1905 na querida Florença, Itália, onde viveu muitos anos. Seu retrato está na célebre sala de pintores famosos na Galeria degli Uffizzi. Após sua morte, seu corpo foi trasladado para o Brasil e repousa em um local na sua Areias. “ Tiradentes Esquartejado”, em Juiz de Fora, continua projetando luzes, e também enigmas, sobre um país que continua construindo sua identidade em meio à diversidade, à esperança e algumas dores.
No alto, a cabeça cortada corresponde aproximadamente ao que seria no mapa do Brasil a região formada pelos estados de Roraima e Amapá. O tronco, coberto com os citados panos rasgados, tem um alinhamento horizontal muito semelhante ao traçado constituído pelo restante da Amazônia e o Nordeste no mapa brasileiro.
A perna esquerda, por sua vez, projetada no quadro no sentido vertical, perpendicular ao tronco, corresponde aproximadamente ao traçado das regiões Sudeste e Sul. O pintor talvez não tenha tido essa perspectiva, e muito menos a intenção, quando concebeu o quadro, mas essa é a impressão que se tem da visão de Pedro Américo a respeito da figura triste e dolorida daquele que se tornou um dos maiores mitos nacionais.
Esquartejamento, amputação. A identidade brasileira vem sendo moldada, em cinco séculos de confluência de civilizações, a partir de fragmentos, de pedaços estilhaçados. É muito significativo a esse respeito que alguns dos nomes que se destacaram em momentos de busca de uma identidade nacional, como o próprio Tiradentes, tenham terminado a vida esquartejados, pedaços embebidos em sangue espalhados por estradas e cidades.
A lembrança de Tiradentes em todo 21 de abril ocasiona, entre outras, esta reflexão: que país estamos construindo, a partir de um mosaico de influencias, de culturas diversas, de interesses contraditórios, de visões distintas sobre a nação? Nessa diversidade e’ que parece residir à vitalidade e a identidade do Brasil, e nela mora a esperança de um país melhor para todos. Mas que seja uma diversidade forjadora de uma identidade nacional, em um país sem desigualdades sociais – este é o nosso drama histórico.
Tiradentes foi um exemplo: se a Inconfidência Mineira não foi vitoriosa ao seu tempo, os seus frutos apareceram ao longo do tempo. E permanece o desejo de um país de fato independente, que ande com suas próprias pernas. Ele tem tudo para isso. O sonho do humilde alferes, que às vezes arrancava dentes para sobreviver, não morreu. Liberdade ainda que tardia.
A vida de Pedro Américo de Figueiredo e Mello, nascido na pequena Areia, na Paraíba, em 1843, não foi menos cheia de significados. Estudou na Europa e foi considerado o pintor da Corte, pela afinidade com D.Pedro II. O mais famoso quadro, “Independência ou Morte”, encomendado pelo governo paulista, consagrou a imagem que todo brasileiro faz do momento em que d.Pedro I pronunciou o famoso “ Grito do Ipiranga” .
Após a Proclamação da Republica, Pedro Américo foi eleito deputado pela Paraíba, mas preferiu continuar pintando, embora tenha apresentado projetos importantes, como de criação de museus e universidades. Para muitos estudiosos, “ Tiradentes esquartejado” reflete o momento pessoal do artista, que se encontrava doente. Faleceu em 1905 na querida Florença, Itália, onde viveu muitos anos. Seu retrato está na célebre sala de pintores famosos na Galeria degli Uffizzi. Após sua morte, seu corpo foi trasladado para o Brasil e repousa em um local na sua Areias. “ Tiradentes Esquartejado”, em Juiz de Fora, continua projetando luzes, e também enigmas, sobre um país que continua construindo sua identidade em meio à diversidade, à esperança e algumas dores.
Antônio Cândido e os anarquistas do Sul de Minas Gerais
O “Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura”, que teve sua primeira edição em 2008 e já se transformou em um dos principais prêmios do gênero no Brasil, representou uma homenagem especial ao professor e ensaísta Antônio Cândido de Mello e Souza, que recebeu ainda em dezembro de 2007, do governador Aécio Neves, a Medalha da Inconfidência.
Reconhecimento importante a obra de Antônio Cândido, que nasceu no Rio de Janeiro, a 24 de julho de 1918 e, de família mineira, viveu a infância em Poços de Caldas, onde teve sua formação antes de se transferir para São Paulo, para prosseguir os estudos e onde se consagrou como grande educador e ensaísta.
Entre outros títulos importantes, escreveu “Os Parceiros do Rio Bonito”, obra-prima da sociologia brasileira, “Formação da Literatura Brasileira”, “O discurso e a cidade” e “Educação pela noite”. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Unicamp, entre outros reconhecimentos no Brasil e exterior.
A Medalha da Inconfidência, recebida por Antônio Cândido, não deixa de ser resgate significativo de um momento muito rico da política e cultura brasileira, mas que ainda vem sendo relegado a segundo plano. Trata-se da influência exercida pelos ideais anarquistas na formação da inteligência cultural e política brasileira. E nesse sentido o Sul de Minas, sobretudo a partir de Poços de Caldas, tem papel de destaque.
São recorrentes, nas entrevistas que concede e em artigos que escreve, as referências de Antônio Cândido aos ideais anarquistas com quem conviveu, em Poços de Caldas, onde imigrantes italianos e outros europeus estabeleceram um nucleo anarquista de relevo. Ele cita com especial carinho o pensamento de Teresina Carini Rocchi (1863-1951), imigrante italiana que chegou ao Brasil em 1890 e, depois de viver em São Paulo, se estabeleceu em Poços de Caldas. Essa ligação resultou no livro de Cândido, "Teresina e seus amigos" (Editora Paz e Terra, 1996)
Teresina conviveu com alguns dos mais importantes nomes do anarquismo brasileiro do começo do século 20, como Antonio Piccarolo, Edmondo Rossoni, Alceste de Ambris e Alcibíade Bertolotti, um dos fundadores e dos principais redatores do jornal “Avanti!”, uma das mais importantes publicações do movimento operário do período.
Outro amigo de Teresina, e igualmente estabelecido em Poços de Caldas, era Adelino Tavares de Pinho, nascido no norte de Portugal, um dos fundadores da Escola Moderna n° 1 em São Paulo, e ainda da Escola Moderna n° 2, antes de, em função da forte repressão policial desencadeada contra os anarquistas na época, ter se refugiado no Sul de Minas, estabelecendo-se em Poços de Caldas, a partir de 1919.
Deve ser igualmente lembrado o nome de Bruno Fosco Pardini, hoteleiro e jornalista nascido na Itália, tendo sido editor, em 1916, de “A voz do trabalhador”. Pardini foi um dos fundadores e presidente (em 1926, primeira vez, e 1954, última) da Associação Atlética Caldense. Muitos nomes, assim, da relevante galeria de anarquistas do Sul de Minas, com ênfase em Poços de Caldas.
Pela perseguição governamental e repressão policial, principalmente, mas depois pela hegemonia das correntes marxistas, o anarquismo foi paulatinamente sendo relegado a segundo plano na história do movimento social no Brasil. Mas trata-se de uma contribuição que merece ser resgatada, inclusive para superar o estigma criado em relação ao anarquismo, que seria sinônimo de caos, de desgoverno.
Pelo contrario, o anarquismo sempre foi muito racional e defensor do auto-governo, da organização local. Enfim, existem muitos motivos para se conhecer melhor essa história, e a homenagem a Antônio Cândido, pelo governo de Minas, não deixa de ser especial contribuição nesse sentido. (Por José Pedro Martins)