CAMPINAS NO RUMO DAS
COMUNIDADES SAUDÁVEIS
(IPES EDITORIAL, 2004)
OS FILHOS DA PAUTA:
CRONISTAS DE CAMPINAS
(Edições Independentes, 1997)
PCNs: A ROTA
COMUNIDADES SAUDÁVEIS
(IPES EDITORIAL, 2004)
Capa do livro, em co-autoria com Humberto de Araújo Rangel
e colaboração de vários especialistas da Unicamp
O livro "Campinas no rumo das Comunidades Saudáveis" trata de uma das grandes revoluções conceituais na área da saúde nas últimas décadas, que foi a emergência da idéia da comunidade ou município saudável. Por este conceito, difundido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Panamericana da Saúde (OPAS), saúde não é simplesmente a ausência de doença. E nesse sentido saúde não se limita aos aspectos médicos propriamente ditos, embora uma estrutura adequada de atendimento, incluindo hospitais e postos de saúde, sempre seja fundamental à qualidade de vida.
Comunidade ou cidade saudável seria aquela que garante aos seus moradores plenas condições de acesso à Educação, à Cultura, ao Lazer, à Habitação, a um Meio Ambiente equilibrado, a uma atividade produtiva remunerada que permita à pessoa viver com dignidade. Saúde quer dizer, em suma, bem estar físico, social, ambiental, cultural e espiritual.
A relação entre saúde e meio ambiente preservado torna-se cada vez mais importante. Investimento em saneamento básico, em água limpa para todos, em destinação correta de resíduos – tudo isso ajuda a evitar múltiplas doenças.
A passagem da ex-primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, pela diretoria-geral da OMS (1998-2003) reforçou a conexão meio ambiente e saúde. Ela coordenou o grupo autor do Relatório Brundtland, um marco nas questões ambientais e sociais, ao propor o desenvolvimento sustentável.
O conceito de comunidade ou cidade ou município saudável é uma grande inovação, uma mudança histórica de paradigmas. E para que a cidade saudável seja construída é essencial uma ação política no sentido original da palavra em grego, o de política como busca do bem comum do povo que vive na polis.
Palavras do diretor da OPAS, dr.George A O Alleyne, caracterizando uma comunidade ou município saudável: “É aquele que tendo alcançado um pacto social entre as organizações representativas da sociedade civil, as instituições de vários setores e as autoridades políticas locais, compromete-se com a promoção da saúde, visando a melhoria da qualidade de vida da população”.
Essas palavras são citadas no livro “Campinas no Rumo das Comunidades Saudáveis”, que ajudei a organizar, em conjunto com o professor Humberto de Araújo Rangel, do Instituto de Pesquisas Especiais para a Sociedade (IPES), editado com apoio da Unicamp.
Um pacto pela qualidade de vida, pela cidade saudável, pela sociedade sustentável. É o sentido primeiro da comunidade ou município saudável. A evolução do conceito de comunidade ou município saudável é comentada no Capítulo I do livro.
Através de seus 230 anos de história Campinas tem dado exemplos de que, quando unida, realiza fatos brilhantes. Foi assim que ela superou a tragédia da febre amarela no final do século 19, e assim ela construiu uma das principais redes de ação social do país, que agora almeja uma cidadania ativa.
Com essa trajetória, não é por acaso que Campinas tenha sido um dos primeiros municípios no Brasil a abraçar o sonho da comunidade saudável. Durante o governo de José Roberto Magalhães Teixeira-Edivaldo Orsi (1993-1996) Campinas foi uma das primeiras cidades brasileiras a assumir os compromissos vinculados à construção de um Município Saudável e indicados na Conferência de Ottawa, de 1986, que tratou da Promoção da Saúde. O processo de implantação do conceito de comunidade ou município saudável em Campinas é contado no Capítulo II do livro.
Para aplicar esses compromissos, o governo de Magalhães Teixeira-Edivaldo Orsi procurou implantar modificações na própria estrutura administrativa, inspirado no modelo praticado em Barcelona – houve na época um forte intercâmbio entre as duas cidades. As linhas básicas das mudanças imprimidas foram apresentadas pelo prefeito de Campinas no Seminário Descentralização e Novos Atores Políticos, realizado em Quito, Equador, em 1995.
Eleito em primeiro turno para a Prefeitura, nas eleições de 1992, Teixeira procurou articular a aprovação de um projeto na Câmara Municipal, indicando algumas mudanças que seu programa de governo vislumbrava para o mandato que seria iniciado em 1993. O projeto foi apresentado pelo vice-prefeito eleito na chapa de Magalhães teixeira, Edivaldo Orsi, vereador na legislatura 1989-1992.
A Câmara aprovou o projeto de Edivaldo Orsi, que se transformou na Lei 7421, assinada pelo prefeito Magalhães Teixeira em seu primeiro dia de governo, a 1 de janeiro de 1993. A Lei 7421 deu base legal para a descentralização e novo modelo de gestão implementado pelo governo Magalhães Teixeira-Orsi, que viabilizou a implantação do conceito de comunidade saudável. Em 1994 o governo Magalhães Teixeira-Orsi lançou com pioneirismo no Brasil o Programa de Renda Mínima.
Foi o início em Campinas do processo de construção do conceito de comunidade ou município saudável. Os próximos passos foram importantes, como a escolha de uma região para projeto-piloto. Tema do Capítulo III do livro.
A região indicada foi a do São Marcos/Santa Mônica, que concentra grandes desafios sociais e está próxima, paradoxalmente, do pólo científico e tecnológico estruturado na órbita da Unicamp e PUC-Campinas.
Foram promovidas várias ações com a participação de moradores e lideranças da comunidade. Foram encontros de sensibilização e capacitação, visando o protagonismo em políticas públicas direcionadas à melhoria da qualidade de vida, dentro do conceito amplo de saúde difundido pelo Programa Municípios/Comunidades Saudáveis. A experiência foi documentada no vídeo Plano de Ação Intersetorial para o São Marcos.
Também foi elaborado o Manual Técnico O Processo de Planejamento da Ação Intersetorial – Relato da Experiência no São Marcos, com a participação de consultores que atuaram na região, desenvolvendo metodologia de ação governamental/comunitária com os princípios da OMS/OPAS.
O prefeito Magalhães Teixeira faleceu em 29 de fevereiro de 1996. O sucessor, Edivaldo Orsi, aprofundou as ações na área do programa de comunidades saudáveis. Campinas sediou no seu governo o I Congresso Latino-Americano para Cidades e Comunidades Saudáveis, promovido em parceria entre Prefeitura e OPAS/OMS.
Oficinas de trabalho e outras ações foram realizadas na região São Marcos, mas o trabalho foi afetado com a interrupção durante o governo municipal de 1997-2000. Ações próximas do Programa Municípios/Comunidades Saudáveis foram mantidas no São Marcos/Santa Mônica pela atuação de pesquisadores da Unicamp e outros centros de ensino e pesquisa, reunidos no Instituto de Pesquisas Especiais para a Sociedade (IPES), criado em 1997.
Usando a metodologia da pesquisa/ação o IPES procurava o empoderamento das comunidades, ou seja, contribuir para que as próprias comunidades assumam o seu destino. Isso através do diálogo entre saber popular e saber científico e tecnológico desenvolvido nas Universidades. A metodologia pesquisa/ação tem como referência a base local, de acordo com os conceitos de geografia humana impulsionados por estudiosos como Milton Santos.
O IPES, em parceria com a Unicamp, promoveu um primeiro curso para a formação de agentes comunitários de saúde, com foco inicial justamente na região do São Marcos/Santa Mônica. Equipes de agentes comunitários da saúde foram multiplicadas no governo de 2001-2004, de Antônio da Costa Santos/Izalene Tiene, quando se decidiu pela implantação do Programa Saúde da Família em Campinas, sob o nome Paidéia. Curiosamente, o filho de dois dos primeiros agentes comunitários capacitados, então pelo IPES, é hoje agente comunitário em uma equipe do Paidéia no Jardim Santa Mônica.
Os imensos desafios sociais e ambientais na região São Marcos e Santa Mônica permanecem. Mas as sementes da mudança foram lançadas, e os frutos começaram a ser colhidos.
O IPES também passou a estimular a formação de uma Rede de Municípios Potencialmente Saudáveis. Uma preocupação associada é com o fomento à Economia Solidária e à Educação Continuada, no sentido da geração de renda e emprego, grandes desafios coletivos para a sociedade brasileira neste início de século. Temas do Capítulo IV e seguintes do livro, escritos pelos especialistas da Unicamp envolvidos com o processo, como Carlos Roberto Silveira Correa, Humberto de Araújo Rangel, Ana Maria Girotti Sperandio (co-autores do Capítulo IV), Carlos Roberto Silveira Correa, Aguinaldo Gonçalves, Roberto Vilarta, Dênis Marcelo Modeneze, Frederico Tadeu Deloroso (co-autores do Capítulo VII, Propostas e Ações na Área da Saúde), José Armando Valente, Octavio Henrique de Oliveira Pavan, Karla Fabiana Begosso Sampaio da Fonseca (co-autores do Capítulo VIII, Educação continuada para a paz e a cidadania) e Antônio Cruz (Capítulo IX, Economia solidária).
O livro "Campinas no rumo das comunidades saudáveis" contém ainda um Glossário com termos essenciais nesse processo e também uma linha do tempo com a história das cidades e da evolução do conceito de comunidades ou municípios saudáveis.
A professora Maria Erlinda Cassab foi fundamental para a elaboração do livro, com sua contribuição intelectual e generosidade.
Enfim, o processo de implantação do conceito de comunidades ou municípios saudáveis em Campinas é um exemplo do potencial histórico da cidade de viabilizar inovações sociais de grande alcance. A cidadania ativa é o canal para tornar realidade o que é um potencial.
CRONISTAS DE CAMPINAS
(Edições Independentes, 1997)
Um de meus maiores orgulhos como jornalista foi ter participado do livro "Os Filhos da Pauta - Cronistas de Campinas", de 1997, pelas Edições Independentes. Com prefácio de Pedro J.Bondaczuk, o livro reúne textos de Carlos Lemes Pereira, Célia Siqueira Farjallat, Dario Carvalho Júnior, Marcelo Pereira, Rogério Verzignasse e meus. Companheiros de anos de redação no Correio Popular, esses e outros colegas me ajudaram a ver, acima de tudo, a amplitude do humano, muito maior do que a pauta, o lead e as editorias do dia a dia. O humano, demasiado humano, com todas as suas belezas e contradições.
Alguém comentou na época que o melhor do livro eram as curtas biografias. Então, lá vão, começando pela do (epa!) Carlãozinho:
Carlos Lemes Pereira - Mais um mineiro - um entre tantos - de São Gonçalo do Sapucaí, que atua há 13 anos na Imprensa de Campinas. Não gosta de falar nisso, mas foi um dos pioneiros locais do jornalismo literário, esculpido com talento e sensibilidade. Os burocratas da profissão que não se iludam: o Carlão, ou Carlãozinho, como queiram, nunca vai jogar no mesmo time. É a irreverência em pessoa. Escrever é o seu destino, mas conversar a sua maior habilidade. Escreve como quem conta uma história com H maiúsculo.
Célia Siqueira Farjallat - A dona Célia, como é universalmente conhecida, completa 80 anos em setembro, foi professora de inglês durante 41 anos e exerce o sagrado ofício do jornalismo há 50. Mas a idade engana. Esta campineira, inclusive por isto uma das raras exceções na interestadual Imprensa local, é e sempre será uma menina, que madruga - literalmente - na redação. Quando vai embora, não descansa. Emprega o tempo de "folga" na doce cruzada de salvar a Escola Carlos Gomes, paixão assumida e eterna.
Dario Carvalho Júnior - Nascido na São Carlos "Vale do Silício brasileiro", D.J. não nega o que se espera da mais nova geração de jornalistas. Multimídia, é inquieto e fascinado pelas imagens - sobretudo as dos quadrinhos, campo do qual é expert, a ponto de integrar o júri do HQ Mix, o Oscar brasileiro dos quadrinhos. No curso da Puccamp, já mostrava as suas garras - ganhou o Prêmio Bosch "Novos Talentos" e Prêmio da Intercom. Agora, na redação, este dileto filho da Geração Internet confirma a cada dia que o romantismo não é, não, coisa do passado - sobrevive em cada bit acionado com seriedade e emoção.
José Pedro Soares Martins - Zé Pedro nasceu em Itamogi (MG) por coincidência geográfica, mas é mineiro por ideologia. Publicou livros sobre temas diversos, do futebol à energia nuclear. Nenhum deles escreveu sozinho, teve como parceiros a vida e a poesia. Especialista em ecologia, Zé é um dos poucos homens que sabe o que é uma gincobiloba mas não se transformou em um "ecochato".
Marcelo Pereira - Mais um "estrangeiro" na Imprensa de Campinas, este paulista de Barretos não gosta mesmo de se enraizar em uma mesma editoria. Já passou por Cidades, Esportes e, agora, derrama seu talento no árido mundo da Política. Lançou, em co-autoria com Pedro Aurélio Carvalho, o livro "O Brasil não deu certo?", fruto do trabalho da Puccamp, que lhe valeu o Prêmio Free de Criatividade de 1991. Suas crônicas ratificam - é um digno representante da fina flor da indignação, essa qualidade tão esquecida hoje, entre sites e laptops. Tem outra qualidade - para muitos, grave defeito - que cultiva com o mesmo esmero que o jornalismo: é corintiano roxo.
Rogério Verzignasse - Oriundi da Grande Americana, faz questão de dizer que é filho de lavradores que viraram operários no momento de consolidação da indústria têxtil na região. Antes de lidar com as pautas e fechamentos de cada dia, ele mesmo foi um operário de fábrica, o que lhe rendeu uma senhora dor nas costas que teima em reincidir. Rogério já foi chefe de redação em dois jornais, mas seu negócio mesmo é a reportagem, garimpada e escrita sempre com paixão. Cinéfilo full-time, gostaria, claro, de ser correspondente em Los Angeles. É o antípoda de Marcelo Pereira: é palmeirense do mais alto coturno.
Vários textos incluídos, vou reproduzir aqui apenas trechos, começando por reportagem do Carlãozinho sobre, imaginem, a possibilidade muito forte na época de... fechamento do City Bar à noite! Meus Deus, que perda teria sido para a cultura campineira! O que se segue é apenas uma amostra do talento jornalístico do Carlão:
Carlos Lemes Pereira - "O City tem tudo para não ser um bar especial e, justamente por isso, que é um bar especial. Não tem música ao vivo e as conversas mais loucas se travam em meio a canções da Xuxa, exaladas do radinho ao lado do caixa - trilha sonora ao arrepio".
"As duas reformas que o local sofreu, ao longo de 40 anos, quando começou como uma simples mercearia, foram incompetentes para melhorar a arquitetura confusa do bar. No corredor estreito, ao lado da calçada da Júlio de Mesquita, as mesas se comprimem a ponto das garrafas tilintarem em coro, ao menor movimento. A falta de intencionalidade fez do City Bar o bar da cidade".
"O escracho e o tido como "muito sério" acontecem sem cerimônia, quando as antenas da raça se enroscam em meio à multidão. O tampo das mesas já gerou fanzines e manifestos radicais. Já serviu de trincheira para a estudantada brigona dos anos 70 (as primeiras discussões do movimento secundarista de Campinas nasceram no City)".
Que bom, o risco não se materializou e o City continua aí. No final do artigo de Carlãozinho, a nota:
"PS: O autor comemora, aliviado, a não concretização da catástrofe. Um brinde à confraria dos insones".
Célia Siqueira Farjallat - "Na penúltima hora, que é a velhice, é justo que o idoso desfrute de sossego, segurança e conforto. Que se rodeie de cenários calmos, em residências protegidas. Que não precise vender bilhetes de loteria pelas esquinas, nem cuidar dos netos, enquanto a mãe deles diverte-se, viaja e vive por aí. Velho merece respeito. Já suportou muito na vida, já sentiu na própria carne anos de privações e de trabalho pesado. Já sonhu em conhecer o mar ou visitar uma cidade histórica. Merece estas pequenas alegrias e mais um lugarzinho tranquilo, onde possa meditar, ler, rezar.
Que os idosos saibam viver as alegrias de hoje, sem apagar de todo as lembranças de ontem. Só assim, ainda poderão desfrutar mais serenamente o presente, e olhar com absoluta confiança para o futuro". (Do artigo "O Brasil envelheceu", publicado a 27 de julho de 1996, com a epígrafe de Marcel Proust: "A velhice é feita de adolescentes que viveram demais")
Dario Carvalho Júnior - "Parecia até letra de samba do Chico Buarque. O pivete (seis, sete anos, no máximo), remexendo com a ginga de quem dança pagode todo fim de noite na favela, se livrou da mão forte do sargento da Polícia Militar e saiu correndo entre os carros que se aglomeravam na avenida. O sargento, esquecendo o cansaço imposto por seus 43 anos, foi atrás como quem participa de uma brincadeira de pega-pega. Quando segurou o braço do garoto novamente, simplesmente ignorou a fama de violência tantas vezes atribuída à Polícia, curvou-se e disse ao menino, mais parecendo um avô carinhoso: ´Vem com o tio, vem`.
O sargento, Pereira de nascimento, sabia que o garoto era ladrão, estava drogado com o crack comprado com seus pequenos furtos e havia machucado um monte de gente - todos mais velhos, mais sérios e mais responsáveis do que ele - quando o arrastão passou pelo terminal de ônibus da Moraes Salles. Mas acima de tudo ele era outra coisa, era pequeno, era humano, era menino". (Do artigo "Arrastinho", publicado em 24 de agosto de 1995)
José Pedro Soares Martins - "Tem dias que dá uma vontade louca de voltar a ser criança e brincar. Vontade de brincar de caubói, chupar jabuticaba, chutar bola no campinho e comer arroz doce. Saudade de ler gibi, comprar figurinha e faltar da aula. Que coisa boa é nadar no açude, montar cirquinho e subir no muro do cinema, para ver filme proibido de graça. Que nostalgia gostosa viajar para a casa do padrinho na janela do ônibus empoeirado.
A existência lúdica da criança, o espaço utópico da liberdade total, a poesia cristalina do ser sincero e puro. Se a felicidade completa existe, ela está lá, no nosso tempo de criança. Camus dizia que o maior problema filosófico seria o suicídio. Pois existe indagação existencial maior do que é essa: é possível voltar a ser criança?" (Do artigo "Saudades de criança", publicado em 9 de maio de 1995)
Marcelo Pereira - "Passava das oito da manhã no Largo do Rosário. Poucos aposentados haviam se acomodado para jogar conversa fora. Anônima, maltrapilha, uma moradora de rua iniciava uma estranha degustação.
Poucos foram aqueles que viram-na devorar um pombro cru, único alimento que encontrara naquela manhã para saciar a fome que insistia em lhe incomodar. A praça mais famosa da cidade transformava-se em palco surrealista". (Do artigo "A fome no coração da cidade", publicado em 11 de abril de 1995)
Rogério Verzignasse - Com licença, amigos campineiros. Permitam-me falar desta terra. Eu venho de fora, como a maior parte desse milhão de almas oculto entre torres de concreto e cristal. Sou parte do turbilhão humano que ganha a vida neste pedaço de terra instituído como cidade há exatos 221 anos.
Campinas é uma velha moça. Os sobrados antigos, construções coloniais que resistem à avidez imobiliárioa, fazem dela uma senhora, dessas religiosas conservadoras, sisudas, severas. As avenidas movimentadas do Centro, as universidades e indústrias, os bares e cinemas, no entanto, a remoçam. O que é histórico ganha, repentinamente, pincelas enérgicas de modernismo e vanguarda. A senhora sisuda tem alma de garota, ativa e divertidade, despreocupada e debochada, no auge da fertilidade e pronta para ser amada". (Do artigo "Esta velha moça", publicado em 14 de julho de 1995)
Agora, um PS meu: eu adoro aqueles que são chamados de "ecochatos" por defenderem suas ideias! Um brinde a eles. No City, claro.
PCNs: A ROTA
NUCLEAR BRASILEIRA
(Komedi, 2005)
Em 2004 o governo Lula, e mais especificamente o ministro Eduardo Campos, da Ciência e Tecnologia, anunciou a intenção de construção de mini-usinas nucleares na Amazônia e/ou Nordeste. Era a confirmação de que o programa de Pequenas Centrais Nucleares (PCNs), denunciado em 1992 em reportagens assinadas por este jornalista no "Correio Popular" (e tema do livro "PCNs - Novo perigo nuclear", vide abaixo), continuava muito vivo nos bastidores. A intenção do governo Lula, do PT que sempre criticou a indústria nuclear, está na origem deste livro, "PCNs - A rota nuclear brasileira", lançado no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, no comecinho de 2005.
A Introdução, De novo o fantasma nuclear no início do século da ecocivilização, comenta a repercussão do anúncio feito pelo governo brasileiro. E relaciona o projeto de mini-usinas no contexto de argumentos usados pela indústria nuclear, no sentido de apontar a energia atômica como alternativa energética, no momento em que o mundo discute formas de combate ao aquecimento global.
O Capítulo I, PCNs, Angra 3 e o debate energético global, relaciona as novas iniciativas no setor nuclear brasileiro, como a conclusão de Angra 3 e os projetos das mini-usinas, no contexto do esforço da indústria atômica para vender a energia nuclear como energia limpa e segura. Uma alternativa ótima, segundo a indústria nuclear, para combater o aquecimento global.
O Capítulo II, As PCNs e o Programa Nuclear Brasileiro, resgata a história do projeto secreto das Pequenas Centrais Nucleares, inserido no contexto do Programa Nuclear Brasileiro, desenvolvido desde sempre na ótica militar. O anúncio da intenção de construção de mini-usinas confirmava que a idéia permanecia em vários setores governamentais.
O Capítulo III, Brasil, celeiro de energias renováveis, detalha as múltiplas fontes de energias renováveis existentes no país, como a solar, eólica e da biomassa. Fontes que, no entanto, vêm sendo negligenciadas. Comentários ainda sobre as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e até novas modalidades energéticas, como a derivada de aterros sanitários.
As Palavras Finais são dedicadas às Vítimas silenciosas da energia nuclear: nunca mais! Casos das vítimas do acidente com a cápsula de Césio 137, em Goiânia, em 1987, e dos moradores de Caldas, no Sul de Minas Gerais, que conviveram durante anos com a extração de urânio no Campo do Cercado. O local foi fechado e transformado em área de processamento de monazita, enquanto a extração de urânio passou a ser feita em Caetité, na Bahia, para grande inquietação da população local. Enfim, rastros da energia nuclear, nada limpa.
PCNs - NOVO
PERIGO NUCLEAR
(Booket Editora, 1992)
Série Livro Reportagem
Uma equipe da Unicamp tinha desenvolvido estudo de viabilidade de construção de Pequenas Centrais Nucleares (PCNs) no Brasil, a partir da tecnologia desenvolvida pela Marinha no Centro Experimental de Aramar, relacionada ao projeto do submarino nuclear que vem sendo implementado há anos em Iperó, na região de Sorocaba, interior de São Paulo. Esta foi a informação que divulguei em reportagem no "Correio Popular", de Campinas, na edição de 20 de setembro de 1992. A notícia caiu literalmente como uma bomba no meio ambientalista, acadêmico e político brasileiro. Um agravante era o fato de que o estudo tinha sido desenvolvido em função de um acordo secreto entre a Marinha e a Unicamp, historicamente uma universidade identificada com os setores mais à esquerda no pensamento acadêmico.
A primeira reportagem foi seguida por várias outras, em função da enorme repercussão do assunto. E a série de reportagens está na origem do livro "PCNs - Novo perigo nuclear", lançado no final de 1992 pela Booket Editora. O prefácio é assinado por Ruy de Goes Leite de Barros, na época responsável pela campanha anti-nuclear da Greenpeace Brasil.
O primeiro capítulo, Uma rede de usinas nucleares, detalhava o programa secreto que vinha sendo implementado pela Marinha, visando eventual construção de Pequenas Centrais Nucleares, a partir da tecnologia desenvolvida em Aramar. A iniciativa era da Coordenadoria de Projetos Especiais (Copesp) da Marinha, com o apoio técnico de um grupo da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp.
A idéia era adaptar a tecnologia do Reator Nacional de Pesquisa (Renap) desenvolvido em Aramar, de 11 megawatts, para 100 MW, que poderia movimentar uma PCN. O estudo da Unicamp apontou os macro-polos de Campinas, Ribeirão Preto, Grande São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Ribeirão Preto, Salvador, Recife, Fortaleza e Manaus como locais que poderiam receber uma usina nuclear de pequeno porte.
O segundo capítulo, Corrida armamentista e a questão nuclear, comenta a relação histórica entre a energia nuclear e o segmento militar. O terceiro, lobby nuclear e a ECO 92, relatou como a indústria nuclear agiu para evitar que a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco ou Rio-92, realizada em junho daquele ano no Rio de Janeiro, discutisse a oportunidade e os riscos da energia nuclear. O capítulo já identificava a movimentação dessa indústria, no sentido de apontar a energia nuclear como alternativa energética no contexto de iniciativas de combate ao superaquecimento global.
O último capítulo, O futuro energético do Brasil, elenca as alternativas energéticas que o país tem, como a solar e eólica, sem a necessidade de investir na energia nuclear. O livro finaliza com vários documentos, como a legislação nuclear no Brasil e uma moção aprovada na Câmara Municipal de Piracicaba, dirigida ao Senado e Câmara Federal, criticando o caráter secreto dos estudos sobre PCNs.
ECOLOGIA OU MORTE (FTD, 1987)
Série Vivência
Uma reflexão sobre como as Igrejas cristãs brasileiras, sob a inspiração da Teologia da Libertação, passaram a participar do debate e a se envolver em questões ambientais. O legado de São Francisco como um exemplo e motivação. O Capítulo 1, A EMERGÊNCIA ECOLÓGICA, contextualiza a questão ambiental e dá antecedentes históricos, como a contribuição de Henry Thoreau (1817-1862) e de René Dumont (1904-2001). Os acidentes e crimes ambientais, como Chernobyl e Cubatão, contribuindo para alimentar o debate e as preocupações globais. No Brasil, o papel da SBPC, Fundação Brasileira para Conservação da Natureza e outras instituições. Como as Igrejas cristãs passam a olhar para a temática. A abertura da Igreja Católica pós-Concilio Vaticano II, a opção preferencial pelos pobres com as Conferências Episcopais de Medellin (1968) e Puebla (1979). O envolvimento das Igrejas com questões de saúde, como um dos caminhos até a discussão da temática ambiental.
O Capítulo 2, REFORMA AGRÁRIA ECOLÓGICA, trata de um dos temas mais sensíveis para a Teologia da Libertação, a questão da terra, da reforma agrária. O papel da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A partir do envolvimento com esse tema, segmentos das Igrejas cristãs começam a se preocupar com a necessidade de que a reforma agrária deve estar acompanhada de cuidados com os recursos naturais, com as dinâmicas e fluxos próprios da natureza. A preocupação com o uso intensivo dos agrotóxicos. As tecnologias alternativas estimuladas por instituições como a FASE e especialistas como o agrônomo Valdo França.
A questão indígena é o pano de fundo do Capítulo 3, A BUSCA DA TERRA SEM MALES. A identificação com a luta dos povos indígenas latinoamericanos, por lideranças como D.Pedro Casaldáliga. O papel do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). A atuação do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), com papel histórico relevante na defesa dos direitos indígenas (antecedente do atual Instituto Sócio-Ambiental - ISA). O exemplo dos Kayapó no trato com a terra.
O Capítulo 4, AS IGREJAS E O PESADELO ATÔMICO, trata do desafiador tema da energia nuclear. Contextualização da energia nuclear, das explosões de Hiroshima e Nagasaki à corrida armamentista entre Estados Unidos e a então União Soviética. Como as Igrejas Cristãs passam a se preocupar e a se envolver com a questão. O Programa Nuclear Brasileiro. Papel do Coletivo Hiroshima Nunca Mais, Movimento Nacional Pró-Áreas Desnuclearizadas e outras organizações. O Serviço Franciscano de Justiça e Paz e outros grupos ligados às Igrejas cristãs.
O alagamento de grandes áreas, com a consequente perda da biodiversidade, e migração de milhares de famílias. Questões em foco no Capítulo 5, O CUSTO SOCIAL/ECOLÓGICO DAS HIDRELÉTRICAS. Os casos de Itaipu e Tucuruí. O caso de Sobradinho: e o sertão virou mar. O Capítulo 6, AS IGREJAS NO "VALE DA MORTE", tratou da atuação cristã, em uma perspectiva ecumênica, no caso emblemático da degradação ambiental no Brasil, como fruto de um modelo de desenvolvimento insustentável, Cubatão, conhecida como "O Vale da Morte" no período militar. A atuação da OIKOS - União dos Defensores da Terra, que projetou o nome do advogado ambientalista Fábio Feldmann, deputado Constituinte em 1986.