sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Zeca Lopes, o construtor de sonhos de Batatais

Zeca Lopes, sempre elegante, com a camisa do clube que o projetou.
(Foto Arquivo Família Lopes)



Folha de folder distribuído por ocasião do centenário do atleta.


Convite para a inauguração em homenagem ao
construtor de sonhos de Batatais.


2010 é o ano do centenário do Corinthians, um dos clubes mais populares do Brasil. Mas também é o centenário de nascimento de um jogador que teve seu nome ligado para sempre ao Timão porque foi o primeiro do clube (ao lado de Jaú e Brandão) a ser convocado para a Seleção Brasileira, no caso a que disputou a Copa do Mundo de 1938. É José dos Santos Lopes, o Zeca Lopes, para o qual a sua família e sua cidade natal, Batatais, prepararam uma grande festa, prevista para o dia 7 de novembro.
Zeca Lopes foi o terceiro de de oito filhos de Arthur Lopes de Oliveira e Luiza Ferreira Borges. Nasceu a 1 de novembro de 1910, mas apenas a 25 de fevereiro aconteceu o registro. O jogador nasceu, então, pouco depois da fundação do Coringão, em 1 de setembro. E o destino de ambos estaria ligado de forma total.
Os fundadores do Corinthians eram todos trabalhadores: o cocheiro Anselmo Correa, o trabalhador braçal Carlos Silva, o sapateiro Rafael Perrone e os pintores de parede Joaquim Ambrósio e Antonio Pereira. Moravam no Bom Retiro e prestavam serviços para a Companhia de Estrada de Ferro São Paulo Railway - a ferrovia, portanto, na origem do Corinthians, assim como de tantos clubes, sobretudo no interior de São Paulo.
Pois Zeca Lopes também tinha o mesmo perfil. Começou sua vida profissional logo cedo, aos 9 anos, como ajudante de pedreiro, e desde então não deixou de ser isso: um construtor de sonhos. Sonhos que ele abraçava e tornava realidade com as mãos - construiu sua primeira casa, aos 15 anos, com madeira que retirava nas cercanias de Batatais - e com os pés habilidosos - desde cedo se destacava nas partidas com os amiguinhos.
A pobreza da família foi um elemento motivador. Zeca procurava se esmerar até nos jogos de malha para, ganhando um dinheirinho, ajudar nas despesas da família numerosa. E como tantos brasileiros vislumbrava no futebol uma oportunidade de melhoria nas condições de vida, e abraçou com força essa alternativa. Trabalhava duro, construindo casas, e voltava correndo para treinar. O futebol estava no sangue da família. Ele morava bem perto do maior campo de Batatais. O seu primeiro calçado foi uma chuteira de futebol. Antes, só descalço. A pobreza era tanta que, quando fez a primeira comunhão, Zeca e outros colegas tiveram que esperar um "segundo tempo". Uma turma de colegas de mais "posses" fez a primeira comunhão em um dia e, em outro, emprestou roupas para aqueles com recursos menores. Zeca estava entre eles.
Ainda amador, jogou em várias cidades da região de Ribeirão Preto, no Triângulo Mineiro e outras cidades de Minas. Em uma partida, no Sul de Minas, enfrentou nada menos que João Ramos do Nascimento, o Dondinho. Sim, ele mesmo, pai do Rei Pelé.
O Batataes Foot Ball Club foi o primeiro clube de Zeca Lopes, de onde saiu para o Comercial de Ribeirão Preto. Mas rapidinho saiu de lá para o Corinthians, onde se destacou com o apelido "O Tanque". A explicação: ninguém parava o jogador, quando saía em disparada pela ponta direita. A ida para o Corinthians foi literalmente abençoada, pela intermediação de um futebolista apaixonado, o Cônego Barros, que teria financiado até seu primeiro terno para se apresentar na capital...
Na época muito retraído, Zeca não se acostumou nas instalações reservadas pelo Corinthians para os atletas solteiros. O clube acabou alugando um quarto, em casa de uma senhora de idade, para que ele pudesse se sentir mais confortável. A aposta do clube deu certo. Ele se destacou logo no primeiro treino e foi escalado para a partida do domingo seguinte.
Zeca Lopes, ou Lopes, participou do terceiro tri do campeonato paulista do Timão, entre 1937 e 1939, sendo novamente campeão em 1941. O mundo já enfrentava os horrores da Segunda Grande Guerra e Lopes também teve de superar uma grande batalha: em 1941 deixava o futebol profissional, após ter-se machucado em uma partida beneficente em uma fazenda na região de Batatais.
Antes, o brilho na Seleção de 1938, que para muitos seria a vencedora da Copa do Mundo na França, não fossem, dizem alguns historiadores, vários conflitos internos. Era uma seleção muito acima da média, contando com gênios como Domingos da Guia, Zezé Procópio, Tim e, especialmente, Leônidas da Silva, o Diamante Negro. No gol, outro batataense, Algisto Lorenzato, o Batatais. O técnico era Ademar Pimenta.
Leônidas era a grande esperança e, enquanto jogou, não fez feio. Pelo contrário. Na primeira partida, contra a Polônia, fez três gols (um deles descalço!), em um dos mais disputados jogos da história dos mundiais. O Brasil ganhou por 6 a 5, depois de 4 a 4 no tempo normal. Bons tempos aqueles...
Mas o "Diamante Negro" se machucou na segunda partida contra a Tchecoslovaquia (o Brasil empatou o primeiro e ganhou o segundo jogo, de desempate, contra essa equipe do Leste Europeu) e apenas voltou no final do torneio. Sem o "pai da bicicleta" e inspirador do famoso chocolate batizado com seu apelido (o "Diamante Negro" tentou se recuperar mergulhado em uma banheira com água salgada), o Brasil perdeu a semifinal para a Itália, por 1x2, mas ganhou a disputa do terceiro lugar com a Suécia: 4 a 2, com dois de Leônidas, que terminou a competição com sete gols em quatro partidas disputadas e o merecido título de melhor jogador da Copa.
O destaque na Copa da França levou Zeca Lopes a uma nova convocação para a Seleção, para disputar a Copa Roca. No Corinthians, continuou a se destacar, até o encerramento precoce da carreira em 1941. Mas ele não se abateu, pois mesmo jogador continuava firme com sua segunda vocação, a de construtor.
Ele continuava construindo casas em Batatais, tendo sido o pioneiro de bairros como a Vila Cruzeiro e o Riachuelo. Neste, ergueu aquele que foi chamado de "prédio do Zeca Lopes", onde morou. Em uma gleba que adquiriu posteriormente, construiu casas que vendia a preços baixos. O local se transformou na Jardim Santa Luiza, um tributo a sua mãe, embora o bairro tenha sido popularmente batizado de Vila Lopes.
"Ele estava atento a tudo, não desperdiçava nada, como a minha mãe contava. Até prego que achava no chão ele utilizava nas construções. Uma vez, ao construir uma casa, ele pegou o armário de sua casa para reutilizar como janela", lembra Benedita, a filha mais velha de Zeca e Helena, de família de origem italiana.
O casal teve quatro filhos: Benedita, Arthur, Rosa Helena e José. A elegância foi uma das marcas de Zeca Lopes, que sempre estava de terno e chapéu. Ele faleceu em 28 de agosto de 1996, aos 85 anos.
"Meu pai nos ensinava acima de tudo a não ter preconceito, a não julgar ninguém", resume Benedita, dizendo que, como seus irmãos e demais familiares, sente enorme orgulho pelos pais que tiveram, Zeca e Helena, um completando o outro, juntos na solidariedade. "E ele era muito persistente, não desistia nunca dos seus sonhos", completa Benedita. Uma enorme lição de vida.
A lembrança do centenário de nascimento desse construtor de sonhos será dia 7 de novembro, a partir das 9h30, com a inauguração de monumento em sua homenagem, na praça do campo de futebol do Jardim Santa Luiza (Vila Lopes). Monumento encomendado pela família e assinado pelo artista plástico Luiz Xavier dos Santos. Uma bela e significativa homenagem a quem construiu tanto em vida. (Por José Pedro S.Martins)

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