domingo, 30 de outubro de 2011

Interesses políticos e econômicos e déficit de cidadania metropolitana dificultam avanços ambientais e sociais na RMC



Rio Piracicaba, na cidade do mesmo nome, virou questão política e fonte de mobilização: exemplo para a RMC




Por José Pedro Martins



Há pouco mais de um mês, a 26 de setembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou o ranking das cidades e regiões mais poluídas do planeta. A Região Metropolitana de Campinas (RMC) figura como a terceira mais poluída do Brasil, atrás somente das regiões do Rio de Janeiro e Cubatão. A RMC está à frente da Região Metropolitana de São Paulo, de acordo com os critérios utilizados pela OMS para mensurar os níveis de poluição.

Os critérios da OMS podem ser criticados, na medida em que são considerados somente os componentes atmosféricos, que são sem dúvida essenciais para indicar a qualidade de vida e condições de saúde em uma grande cidade. No caso da RMC, ela apresentou 39 microgramas de poluentes por metro cúbico de ar, contra 38 microgramas na Grande São Paulo. O recomendado pela OMS é de no máximo 20 microgramas. Se forem considerados outros parâmetros ambientais, por exemplo qualidade da água dos rios, o ranking provavelmente seria diferente. Veja-se o caso do rio Tietê na Grande São Paulo e de trechos dos rios Piracicaba, Atibaia e Quilombo na RMC.

De qualquer modo, o fato da RMC figurar em estudo da respeitadíssima OMS já deveria ser em si um motivo de grande alerta, de gigantesco alerta, sobre a situação ambiental da Região Metropolitana de Campinas, o que aliás já vem sendo advertido há anos por ambientalistas e alguns cientistas. O polo petroquímico de Paulínia e a frota automotiva são alguns dos ingredientes apontados como responsáveis pela posição da RMC no ranking da OMS, mas não pode ser negligenciada, entre outros fatores, a lamentável destruição das florestas nativas na região, que tem menos de 5% de sua vegetação original. A ausência de vegetação significativa naturalmente interfere na má qualidade do ar.

Entretanto, apesar de a região aparecer em terceiro lugar no triste ranking houve repercussão muito modesta na RMC sobre o estudo. Este é um grande risco, o "acostumar-se" a uma situação crítica, de perigo para a saúde de muitos, assim como já ocorre, infelizmente, com o descalabro da violência no país. Há uma revolta mais ou menos localizada, quando acontece um crime bárbaro, mas a indignação com a insegurança ainda não se transformou em movimento de massa, decisivo, para reverter o quadro de horror.

O mesmo pode ser dito, infelizmente, em muitos casos na área da degradação ambiental. Em Piracicaba, a péssima situação do rio gerou um forte movimento nos anos 80, o que levou à criação de organizações e mecanismos para melhorar a qualidade e quantidade das águas. A crítica situação do rio foi transformada em fato político, levando os órgãos dirigentes a tomar posição.

Na RMC, isso ainda não ocorreu na dimensão desejada. Com as raras e honrosas exceções de sempre, de pessoas e organizações que pensam a região, ainda não existe na prática uma cidadania metropolitana consolidada e abrangente, um movimento forte no sentido de identificar a importância da região discutir e efetivamente tomar medidas concretas conjuntas, integradas, intermunicipais. É fundamental ampliar essa cidadania metropolitana, pois do contrário continuarão prevalecendo interesses políticos e econômicos que têm dificultado avanços ambientais e sociais na região.

A RMC tem um dos principais polos de ciência e tecnologia do Brasil, tendo portanto enorme potencial para propor e colocar em prática alternativas em várias áreas, como energia, transportes, reciclagem de resíduos. Por exemplo, há anos o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) domina a tecnologia de compostagem de resíduos, mas essa técnica ainda não foi incorporada em grande escala no conjunto dos 19 municípios da RMC, que já enfrenta problemas sérios em destinação adequada do lixo doméstico. Outros exemplos poderiam ser citados, em relação à distância entre o capital de ciência e tecnologia da RMC e sua aplicação prática em benefício da melhoria da qualidade de vida regional.

Do mesmo modo, a RMC tem muitas importantes empresas que já incorporaram cuidados ambientais em seus processos. Nesta semana a revista "Newsweek" divulgou o ranking das 100 companhias internacionais que poderiam ser consideradas as mais "verdes", por suas práticas ambientais. Pelo menos 20 delas têm unidades e/ou negócios na RMC.

Se a RMC tem, então, índices de excelência em tecnologia, práticas ambientais em empresas, ONGs que atuam na área, por que, então, as condições ambientais se degradam? Além dos ingredientes já indicados, pode ser apontada a falta de uma maior articulação regional, um consenso sobre que medidas devem ser tomadas a curto, médio e longo prazos. Esforços importantes têm sido feitos, por exemplo na esfera da Agemcamp, mas ainda falta um longo caminho a percorrer para a arquitetura de maiores avanços sociais e ambientais na região. Tomara que dê tempo e que a região não "se acostume" com o que já é critico e perigoso. (José Pedro Martins é jornalista e escritor, autor entre outros livros de "Terra Cantata - Uma história da sustentabilidade" e "Agenda 21 Municipal na Região Metropolitana de Campinas - Um roteiro desenhado no Correio Escola".)

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