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sábado, 22 de outubro de 2011

Falta uma crítica de mídia no Brasil

No espaço de poucos dias morreram (dia 5 de outubro) Steve Jobs, um dos pilares da revolução tecnológica-midiática contemporânea, e (18 de outubro) Friedrich Kittler, o teórico de literatura e “historiador da mídia”, como o alemão se auto-definia. Dois ícones de uma era que ainda está em gestação e cujos destinos são absolutamente imprevisíveis.
Kittler foi muito cético em relação ao poder do computador sobre o ser humano, “um servo das mídias”, na sua expressão. Para ele, a redução de tudo, pelo computador, à fórmula binária, de zero e um, indica uma vocação hegemônica e autoritária. Em “Grammophon. Film. Typewriter” (Gramofone. Filme. Máquina de Escrever), ele dissecou essa “serventia” da sociedade contemporânea em relação às mídias.
A obra de Kittler foi e continuará sendo, claro, contestada em muitos pontos. “1984”, de Orwell, é um dos exemplos do pessimismo de vários intelectuais a respeito do poder da máquina sobre o ser humano. Um futuro sombrio, sem alegria e esperança, seria o caminho que estaria sendo trilhado. Mas a realidade é muito mais complexa, e previsões semelhantes já foram derrubadas. A historia não é linear, ela vai e volta, e o potencial de contestação, de inquietação, no humano ainda não foi morto, com certeza. É possível continuar se rebelando e encontrando alternativas. O movimento atual por democracia global é exemplar nesse sentido.
E é o caso da mídia, que sem dúvida exerce cada vez mais um poder impressionante. Há muito deixou de ser o “quarto poder” para ser provavelmente o primeiro, ou no mínimo o segundo. O Executivo e o Legislativo são hoje muito vigiados e mais ou menos controlados, pela força da opinião pública e da própria mídia, mas quem vigia a mídia? É bom que ela seja vigiada e/ou controlada? Claro que não deve ser controlada, mas é ótimo, fundamental, que a opinião pública esclarecida, informada e muito bem educada esteja sempre atenta para que a mídia, quando extrapole, faça o seu mea culpa, o que sabemos ser algo muito difícil. Existe uma certa tendência para a arrogância por parte de segmentos, frações, da mídia. Seria saudável, muito construtivo, se a mídia toda fosse mais autocrítica.
Isso apenas acontecerá com o que foi escrito, maior atenção e postura crítica da opinião pública, da sociedade civil, do cidadão na interface com a mídia. Muito pode contribuir para essa diálogo/reflexão salutar a existência de uma crítica de mídia mais ampla e de fato crítica. Aí é que Kittler e outros pensadores entram, com suas indagações sobre o poder da mídia. Se pode haver exagero em algumas dessas reflexões, no sentido de que o poder midiático seria absoluto, o que não é, é desejável, imprescindível, que esse tipo de questionamento continue ocorrendo, particularmente em países como o Brasil, onde o índice de leitura é muito baixo, a qualidade da educação não é satisfatória e, consequentemente, a força de reação da cidadania ainda distante, mas muito distante do ideal.
É urgente a dilatação e propagação de uma crítica de mídia no Brasil, como já ocorre com a crítica literária, das artes em geral, entre outros campos. Críticos ferinos e contundentes de mídia, apontando equívocos e armadilhas mas também indicando saídas e possíveis rotas de fuga, são uma demanda imperativa para o avanço da cidadania ilustrada no Brasil. Crítica de mídia mais forte (já existem críticos interessantes, mas é preciso muito mais) é um alimento essencial para que se materialize na prática, em transformações positivas e construtivas para a sociedade e a cultura, o gigantesco potencial que consigo traz a revolução da tecnologia da informação e comunicação em curso. (Por José Pedro Martins)