O Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral, reproduzido em muro externo da EE Governador Mário Covas, em Monte Mor: região reconhece e valoriza obra da pintora de Capivari (Foto Adriano Rosa)
Um dos maiores prejuízos do afastamento do ser humano do meio ambiente foi a separação entre natureza e cultura. Sociedades cultas são as indígenas, que nutrem milenar reverência pela natureza e a vida em geral, ou as sociedades de alto consumo e depredação ambiental? Nesse sentido a construção de uma nova civilização passa necessariamente pela aproximação de natureza e cultura. Essa dimensão não pode ser esquecida no processo de construção de Agendas 21 Locais.
Felizmente a cultura brasileira tem sido embebida em natureza, através dos tempos. E um capítulo importante dessa cultura in natura foi escrito na região de Campinas, particularmente na área da bacia do rio Capivari. Nada menos que o Modernismo foi fertilizado por influências geradas aqui na região. O papel da pintora Tarsila do Amaral nesse sentido foi determinante. Tudo começou assim.
Em 1928 o escritor Oswald de Andrade ganhou um quadro da pintora Tarsila do Amaral e a reação foi espontânea. “É o homem, plantado na terra”, disse Oswald, que já era o autor de “Memórias Sentimentais de João Miramar” e de “Alma”, o primeiro livro da trilogia “Os Condenados”. Oswald também tinha sido o autor do Manifesto Pau–Brasil, de 1924, outro dos vértices do Modernismo brasileiro, “inaugurado”, segundo todos os compêndios escolares, com a Semana de Arte Moderna de 1922, embora manifestações modernistas tivessem ocorrido antes, com Monteiro Lobato.
O fato é que Oswald se encantou com a obra de Tarsila e o quadro foi batizado de Abaporu, ou “o homem que come”, em tupi-guarani. Seria o correspondente a “antropófago”, que também quer dizer o “homem que come” nos vocábulos gregos (antropos= homem, fagia=comer).
Estava nascendo aí o Movimento Antropofagia, um dos vértices mais importantes do Modernismo brasileiro. Conceitualmente, a Antropofagia reflete a capacidade de assimilação, pela cultura brasileira, com tintura local, própria, dos valores culturais estrangeiros. É o ato, enfim, de deglutir e de metabolizar as influências alienígenas, e o resultado é um prato bem brasileiro, com tempero bem tropical.
As cores fortes de Abaporu, e de outras obras importantes de Tarsila, como o próprio Antropofagia, de 1929, sintetizam o ideal modernista de valorizar a cultura local, radicada na terra, em diálogo permanente com o que é diferente. E nesse valorizar da cultura local está obviamente implícita a valorização da exuberante natureza brasileira e, claro, de forma interligada, do povo brasileiro, de suas crenças próprias, muito ligadas às coisas da terra.
Tarsila do Amaral pôde dar a sua imensa contribuição a esses conceitos básicos do Modernismo em função de sua infância na fazenda da família em Capivari, nas proximidades do rio do mesmo nome, que corta uma boa parte da região. Nascida em 1886, Tarsila teve contato, na fazenda de Capivari, com as coloridas festas populares e com uma natureza que ainda não tinha sido tão modificada como aconteceria a partir da década de 1950 na região de Campinas, em função do crescimento desordenado, sem planejamento.
A influência telúrica, extraída dessas raízes, foi reconhecida pela própria Tarsila do Amaral, como a crítica Aracy Amaral acentua em sua obra clássica sobre a pintora, “Tarsila: sua obra e seu tempo”, publicada pela Edusp e Perspectiva, em 1975. Comenta Aracy Amaral: “Criada na fazenda, a menina Tarsila tinha natural predileção pelas cores que lhe falavam do calendário das festas populares do interior paulista: ´Ensinaram-me depois que eram feitas e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado... mas depois vinguei-me da opressão, passando-as para as minhas telas: azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante, tudo em gradações mais ou menos fortes, conforme a mistura de branco`.”
A própria figura insólita do Abaporu, certamente produzida sob os influxos do Surrealismo com que Tarsila se embebedou na Europa, é conseqüência direta dessa vivência caipira, como a pintora igualmente confessou posteriormente. “Compreendi que eu mesma havia realizado imagens subconscientes, sugeridas por histórias que ouvira em criança”, disse Tarsila, nas palavras citadas no mesmo livro de Aracy Amaral e referindo-se às várias lendas típicas da cultura popular do interior paulista.
Nascida dois anos antes da Abolição da Escravatura, Tarsila recebeu a poderosa influência da cultura afro-brasileira. Isto ficou claro em quadros como “A Negra”. Tarsila do Amaral faleceu em São Paulo, em 1973, aos 87 anos. Uma vida longa, de amor à cultura brasileira e sua rica biodiversidade.
Felizmente a cultura brasileira tem sido embebida em natureza, através dos tempos. E um capítulo importante dessa cultura in natura foi escrito na região de Campinas, particularmente na área da bacia do rio Capivari. Nada menos que o Modernismo foi fertilizado por influências geradas aqui na região. O papel da pintora Tarsila do Amaral nesse sentido foi determinante. Tudo começou assim.
Em 1928 o escritor Oswald de Andrade ganhou um quadro da pintora Tarsila do Amaral e a reação foi espontânea. “É o homem, plantado na terra”, disse Oswald, que já era o autor de “Memórias Sentimentais de João Miramar” e de “Alma”, o primeiro livro da trilogia “Os Condenados”. Oswald também tinha sido o autor do Manifesto Pau–Brasil, de 1924, outro dos vértices do Modernismo brasileiro, “inaugurado”, segundo todos os compêndios escolares, com a Semana de Arte Moderna de 1922, embora manifestações modernistas tivessem ocorrido antes, com Monteiro Lobato.
O fato é que Oswald se encantou com a obra de Tarsila e o quadro foi batizado de Abaporu, ou “o homem que come”, em tupi-guarani. Seria o correspondente a “antropófago”, que também quer dizer o “homem que come” nos vocábulos gregos (antropos= homem, fagia=comer).
Estava nascendo aí o Movimento Antropofagia, um dos vértices mais importantes do Modernismo brasileiro. Conceitualmente, a Antropofagia reflete a capacidade de assimilação, pela cultura brasileira, com tintura local, própria, dos valores culturais estrangeiros. É o ato, enfim, de deglutir e de metabolizar as influências alienígenas, e o resultado é um prato bem brasileiro, com tempero bem tropical.
As cores fortes de Abaporu, e de outras obras importantes de Tarsila, como o próprio Antropofagia, de 1929, sintetizam o ideal modernista de valorizar a cultura local, radicada na terra, em diálogo permanente com o que é diferente. E nesse valorizar da cultura local está obviamente implícita a valorização da exuberante natureza brasileira e, claro, de forma interligada, do povo brasileiro, de suas crenças próprias, muito ligadas às coisas da terra.
Tarsila do Amaral pôde dar a sua imensa contribuição a esses conceitos básicos do Modernismo em função de sua infância na fazenda da família em Capivari, nas proximidades do rio do mesmo nome, que corta uma boa parte da região. Nascida em 1886, Tarsila teve contato, na fazenda de Capivari, com as coloridas festas populares e com uma natureza que ainda não tinha sido tão modificada como aconteceria a partir da década de 1950 na região de Campinas, em função do crescimento desordenado, sem planejamento.
A influência telúrica, extraída dessas raízes, foi reconhecida pela própria Tarsila do Amaral, como a crítica Aracy Amaral acentua em sua obra clássica sobre a pintora, “Tarsila: sua obra e seu tempo”, publicada pela Edusp e Perspectiva, em 1975. Comenta Aracy Amaral: “Criada na fazenda, a menina Tarsila tinha natural predileção pelas cores que lhe falavam do calendário das festas populares do interior paulista: ´Ensinaram-me depois que eram feitas e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado... mas depois vinguei-me da opressão, passando-as para as minhas telas: azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante, tudo em gradações mais ou menos fortes, conforme a mistura de branco`.”
A própria figura insólita do Abaporu, certamente produzida sob os influxos do Surrealismo com que Tarsila se embebedou na Europa, é conseqüência direta dessa vivência caipira, como a pintora igualmente confessou posteriormente. “Compreendi que eu mesma havia realizado imagens subconscientes, sugeridas por histórias que ouvira em criança”, disse Tarsila, nas palavras citadas no mesmo livro de Aracy Amaral e referindo-se às várias lendas típicas da cultura popular do interior paulista.
Nascida dois anos antes da Abolição da Escravatura, Tarsila recebeu a poderosa influência da cultura afro-brasileira. Isto ficou claro em quadros como “A Negra”. Tarsila do Amaral faleceu em São Paulo, em 1973, aos 87 anos. Uma vida longa, de amor à cultura brasileira e sua rica biodiversidade.
A obra de Tarsila é hoje reverencida por todo país. As escolas públicas e particulares sempre estão destacando sua vida e obra como exemplos para os alunos. Na Escola Estadual "Governador Mário Covas", em Monte Mor, por exemplo, algumas de suas obras foram pintadas por alunos nos muros externos, que se transformaram em verdadeira galeria, em função de um projeto apoiado pelo Instituto Arcor Brasil. A vida que imita a arte embebida na legítima cultura brasileira. (Por José Pedro S.Martins)
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